Título: Ausência do BC turbina ainda mais o câmbio
Autor: Biasoto, Geraldo
Fonte: O Globo, 09/10/2010, O País, p. 10
Consultor econômico de Serra defende maior intervenção do BC no mercado de câmbio, em coordenação com a Fazenda ENTREVISTA O candidato tucano à Presidência, José Serra, costuma dizer que o câmbio valorizado ¿desfavorece o investimento¿ e é responsável pela ¿desindustrialização do Brasil¿ ao baratear importações que substituem a produção nacional. O assunto não chega ao nível de detalhamento que o debate eleitoral merece, mas o economista Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do governo de São Paulo e um dos mais influentes consultores econômicos de Serra, afirma que o sistema de câmbio flutuante mostra fragilidade, e o Banco Central deveria intervir no mercado em coordenação com o Ministério da Fazenda.
O GLOBO também procurou a campanha da candidata petista, Dilma Rousseff, para debater o assunto, mas não foi indicado um nome para a entrevista.
Gilberto Scofield Jr. SÃO PAULO
O GLOBO: Como o senhor avalia a situação do câmbio hoje? GERALDO BIASOTO: O modelo do câmbio flutuante é legítimo e funciona em situações onde há o mínimo de equilíbrio entre a oferta e a demanda de dólares. Mas, no caso brasileiro, em que o câmbio é fortemente pressionado pelas operações financeiras, bem mais do que as comerciais, o sistema mostra fragilidade.
Como assim? BIASOTO: Desde 2003, o Banco Central abandonou o mercado de câmbio, comprando dólares no fim do dia apenas para compor as reservas e pelo valor determinado pelo mercado. O Banco Central não exerce função alguma no mercado, e acredito que ele deveria voltar a atuar porque a postura passiva só consolida o jogo da valorização (do real). Uma simples sinalização de intervenção do BC teria força para derrubar expectativas, outro componente forte na formação do valor do câmbio.
Mas a taxa de juros elevada do Brasil, em comparação com as de outros países, continuaria a atrair investidores estrangeiros.
BIASOTO: Há uma conjugação de fatores para o câmbio estar neste patamar de valorização.
As taxas de juros elevadas estimulam os investidores a pegar empréstimos em moedas com juros zero e aplicar o dinheiro no Brasil para embolsar a diferença.
Há também a relativa segurança institucional do país, ou seja, a confiança de que as aplicações serão remuneradas e pagas sem calotes. E há a certeza de valorização da moeda, por conta da ausência do Banco Central, que turbina ainda mais o câmbio, apreciando o real. Então é claro que, além da intervenção do BC, o governo poderia trabalhar de forma coordenada para, a médio prazo, trazer para baixo as taxas de juros.
De que forma? BIASOTO: Atualmente, não existe uma coordenação política entre o BC e o Ministério da Fazenda para uma atuação conjunta no câmbio. Dia desses, me assustei ao saber que o Banco Central se preparava para comprar dólares quando descobriu que o Banco do Brasil se preparava para vender R$ 800 milhões. Neste governo, o BC trabalha de uma forma, tentando controlar a inflação e enxugando a economia, mas o Ministério da Fazenda trabalha de outra forma, inundando o mercado de crédito.
E como reduzir essa pressão financeira sobre o real de forma mais específica? BIASOTO: O governo tem que retomar os instrumentos de política econômica, há algum tempo esquecidos, tendo sempre em mente a redução das taxas de juros a médio prazo. São outras ferramentas que podem calibrar o valor de compra da moeda, como o controle do crédito no sistema financeiro e nos bancos estatais e BNDES. Outra opção é o monitoramento cuidadoso dos limites bancários para a atuação no câmbio, reduzindoos, se for o caso.