Título: Brasil deve ter muito cuidado em não gastar demais
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 10/10/2010, Economia, p. 37
Para economista, o maior risco para a recuperação econômica global hoje é o surgimento de uma nova Grécia ENTREVISTA Scheherazade Rehman
WASHINGTON. A crise financeira global trouxe novos desafios.
Os países ricos têm dificuldades na recuperação econômica; já os emergentes se veem ameaçados por crescimento veloz. A economista Scheherazade Rehman, professora de Finanças e Negócios Internacionais da Universidade George Washington, denuncia o uso irresponsável da política cambial e aponta outros obstáculos no pós-crise. Entre os emergentes, o Brasil está melhor que China e Índia, diz, mas não deve se descuidar devido à forte entrada de capital estrangeiro.
Seu maior receio é que uma nova Grécia abale a retomada do crescimento global.
Fernando Eichenberg Correspondente
O GLOBO: Como a senhora vê hoje a recuperação econômica global pós-crise? SCHEHERAZADE REHMAN: A maior fraqueza na recuperação econômica global hoje está nos sistemas financeiros. Há duas grandes vulnerabilidades a enfrentar.
Uma é a elevada dívida pública dos países industrializados.
Outra é a fragilidade do sistema bancário.
Quais as prioridades para os países avançados? SCHEHERAZADE: Uma delas diz respeito à elevada dívida pública. Há um dilema do que atacar primeiro: a confiança pública, por meio da flexibilização fiscal, ou as pressões sobre a elevada dívida pública.
E para os emergentes? SCHEHERAZADE: Países da América Latina e Ásia têm enorme fluxo de capital estrangeiro.
Têm boas perspectivas de crescimento, boas finanças públicas ¿ comparados aos países ricos ¿ e oferecem ganho maior. Mesmo no Brasil se está intervindo (no câmbio). Os emergentes devem administrar pressões de EUA e outros países sobre o que fazer com o câmbio.
Como administrar essa guerra cambial? SCHEHERAZADE: É muito difícil.
Não acredito que se possa resolver muitos problemas usando a taxa de câmbio. O papel do FMI no encontro deste fim de semana é tentar costurar um acordo entre EUA e China sem provocar estrago no mercado.
À parte a questão cambial, como a senhora vê a economia da China? SCHEHERAZADE: Está indo bem, há um enorme fluxo de capital. Mas já se diz que a China será em breve ultrapassada pela Índia. Mas há sinais de que a economia americana vai se recuperar, talvez não no ano que vem ou no seguinte, mas logo.
A senhora vê risco de superaquecimento no Brasil? SCHEHERAZADE: O Brasil talvez seja mais suscetível a isso, pois as condições macroeconômicas e a estabilidade financeira não estão administradas da melhor maneira, e as agências de regulação não estão prontas para receber esse montante. Se muito dinheiro entra, especialmente capital especulativo, é uma coisa; se é dinheiro para permanecer por longo prazo, é outra.
Quais os problemas para o Brasil a médio e longo prazos? SCHEHERAZADE: Acredito que os problemas de China e Índia são muito mais graves que os do Brasil. Os títulos brasileiros são menores em escala, por causa do tamanho da população, da economia. Também os problemas de pobreza e inflação serão muito menores que na China ou na Índia.
Que medidas monetárias e fiscais são necessárias ao Brasil? SCHEHERAZADE: Haverá um enorme fluxo de capital, e penso que Brasil deve atentar para a inflação. O país deve ser muito cuidadoso em não gastar demais.
Quando entra muito dinheiro, mais crédito está disponível para a população e começa-se a adquirir maus hábitos, quase como os americanos. Começamos a poupar menos e gastar mais. Há perigo em muitas áreas para a formação de uma bolha, é com isso que o governo brasileiro deve ter muito cuidado.
A senhora tem algum medo específico em relação à economia global? SCHEHERAZADE: Tenho receio de uma nova Grécia. Se isso ocorrer, teremos sérios problemas.