Título: Guerra cambial derruba mito do descolamento de emergentes
Autor: Beck, Martha; Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 10/10/2010, Economia, p. 35

Exportadores de "commodities" sofrem com a perda de competitividade de suas indústrias BRASÍLIA. Se a crise financeira global poupou boa parte das economias emergentes, a ressaca da turbulência parece colocá-las diante de velhos problemas, o que derruba o mito de que estes países haviam se descolado do mundo desenvolvido. Apesar de as reformas fiscais adotadas na década de 90 terem fortalecido a estrutura destes países, como é o caso do Brasil, boa parte deles ainda tem como ponto fraco a dependência das exportações de commodities.

A entrada maciça de recursos estrangeiros em busca de boas oportunidades, como taxas de juros altas, assim como receitas das vendas de produtos básicos turbinadas pelas cotações recordes, acabam aumentando as pressões sobre o câmbio e colocando em risco a indústria nacional, que vai se tornando menos competitiva.

¿ Somos vítimas do nosso sucesso relativo. Mas não significa que estejamos ganhando. Isso começa a ter um custo. A posição privilegiada da América Latina durante a crise mostrou que sua dependência diminuiu, mas estes países não se tornaram independentes ¿ disse o exdiretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas.

¿ Hoje estamos bem, mas amanhã pode ser que não. A enxurrada de dólares vai minando a resistência dos países ¿ afirmou o vicepresidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

O economista e professor da Universidade da Califórnia Barry Eichengreen sacramenta: a pressão cambial atual prova que a tese de descolamento dos países emergentes era um mito. Aos emergentes, garante, só resta tentar dar mais competitividade à indústria nacional por outros caminhos, o que levará tempo: ¿ Há três anos, tivemos um debate sobre o descolamento das economias emergentes dos países em desenvolvimento. O que estamos vendo agora é que esse descolamento era um mito. A saída agora é desenvolver o mercado doméstico e dar mais competitividade aos setores, mas isso leva tempo.

O Brasil é um dos emergentes que mais sofre: está aquecido e recebendo bilhões de dólares, que fortalecem o real e reduzem a competitividade da indústria nacional. Para o economista Sidnei Nehme, da corretora NGO, o Brasil continuará tendo problemas com a valorização do real, pois o governo não calibra bem instrumentos que poderiam ser usados para segurar a queda do dólar. Entre eles estão as compras de moeda no mercado para compor reservas.

Nehme afirma que compras em excesso, acima do fluxo, por parte do BC, acabam fazendo com que os investidores voltem ao mercado internacional para pegar mais dólares a um custo baixo para reaplicar no país. Para Carlos Thadeu, países com moeda apreciada, como são os casos brasileiro e australiano, precisam cortar juros e despesas, segundo o ex-diretor do BC: ¿ Não há outras medidas. O IOF só ajuda no curtíssimo prazo.

Aparentemente, entre os países do Bric, a Rússia é o que está menos preocupado com uma possível guerra cambial neste momento. O economista-chefe do HSBC em Moscou, Alexander Morosov, afirmou que o rublo tem se desvalorizado desde a crise. A explicação para isso está na falta de fundamentos mais estáveis da economia do país, que ainda não conseguiu se recuperar.

¿ A depreciação do rublo desestimula as importações, o que é bom, e favorece as exportações. As autoridades não estão preocupadas com isso. (Martha Beck e Vivian Oswald)