Título: A população percebeu que não foi só UPP
Autor: Bruno, Cássio; Marqueiro, Paulo
Fonte: O Globo, 10/10/2010, O País, p. 22/23

Sérgio Cabral anuncia que Júlio Lopes, Alexandre Cardoso e Leonardo Picciani voltam ao governo

ENTREVISTA Sérgio Cabral

Surfando numa onda de 5.217.972 votos, que representam 66,08% do eleitorado, o governador Sérgio Cabral (PMDB), de 47 anos, reeleito no primeiro turno, chegou ao gabinete do Palácio Laranjeiras, no início da tarde de quartafeira, livre da muleta que o acompanhou durante boa parte da campanha, mas ainda se queixando de dores no joelho operado.

Apesar do incômodo, que o levou a dar entrevista ao GLOBO com um saco de gelo sobre o joelho direito, ele manteve o bom humor durante os quase 40 minutos de conversa. Entre uma pergunta e outra, almoçou salmão grelhado com salada antes de se encontrar com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e seguir para a carreata com Dilma Rousseff (PT), na Baixada.

Tendo a seu lado o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, com quem brincou dizendo ter dúvidas sobre se ele voltará à Secretaria de Obras, Cabral falou sobre seu segundo mandato, que, para ele, começou no dia seguinte às eleições.

Comentou ainda a série de arrastões dos últimos dias, alegou que os índices de violência diminuíram e admitiu que a meta de levar UPPs a todas as comunidades com tráfico e milícia no estado é ousada, mas manteve a promessa: ¿ A gente gosta de ousar.

GLOBO: Dois dias depois de eleito, o senhor substituiu a secretária de Educação, Tereza Porto.

O segundo mandato já começou?

SÉRGIO CABRAL: O segundo mandato começou no dia seguinte.

Ao me eleger no primeiro turno, a população deu esse recado nas urnas. Tenho obrigação de corresponder. Quando a chamei (Tereza Porto) para ser secretária, disse: você é uma pessoa de gestão de tecnologia.

Nós precisamos basicamente investir em tecnologia, tirar a educação da idade da pedra, qualificar nossas escolas, qualificar uma rede digital. Isso tudo, ela fez. Agora entra o (Wilson) Risolia, que atua em gestão de pessoas. Ele fez um trabalho muito importante no Rio Previdência.

Sabe o que é gerir pessoas e dá o foco na meta, que é a qualidade na educação.

O senhor já tinha dito que alguns setores precisavam de ajustes. E a saúde?

CABRAL: A saúde, não. O Sérgio Côrtes está fazendo um trabalho extraordinário. Já levou a saúde do Rio a ser replicada no Brasil inteiro e na Argentina. O Côrtes continua comigo

Haverá outras mudanças?

CABRAL: Estamos avaliando.

Vamos com calma. O Leonardo Picciani retoma a Secretaria de Habitação. O Alexandre Cardoso, a Secretaria de Ciência e Tecnologia. O Júlio Lopes, a Secretaria de Transportes. Só tenho dúvidas sobre o Pezão (risos). Eu pedi que ele voltasse para a Secretaria de Obras, e ele pediu mais um tempo (risos). Mas ele volta também, claro.

E o secretário de Fazenda, Renato Villela?

CABRAL: Continua.

E o de Segurança, José Mariano Beltrame?

CABRAL: Continua. O resto (do Secretariado), vamos aguardar.

Marilene Ramos continuará no Meio Ambiente?

CABRAL: Vamos aguardar.

O candidato derrotado ao Senado Jorge Picciani (PMDB) terá uma secretaria?

CABRAL: Não, ele não deseja.

O senhor ficou surpreso com a derrota de Picciani?

CABRAL: Como dizia aquele locutor esportivo, foi ¿por pouco, muito pouco, pouco mesmo¿. Foi isso. Eu tinha certeza de que ele teria um belo desempenho. Foi questão de tempo. A gente se esforçou para fazer aquela união (Cabral, Picciani e Lindberg Farias, do PT). Na hora que nós botamos os dois juntos, dobrou o tamanho (dos números nas pesquisas).

Os arrastões dos últimos dias não podem dar a impressão de que o governo tem duas políticas de segurança, uma bem-sucedida para as UPPs e outra, não tão bem-sucedida, para o resto da cidade?

CABRAL: Isso é uma injustiça, porque houve queda nos índices em todo o estado. Por isso eu falo que, às vezes, a sensação por um caso ou por outro contamina e contagia cada um de nós. Mas os dados mostram que houve redução. Não sou eu que estou dizendo, são dados efetivos.

Mas então qual a estratégia para impedir que se tenha essa sensação de insegurança?

CABRAL: Cada vez o policiamento mais ostensivo e uma política de inteligência na prisão de criminosos, o que a Polícia Civil tem feito com enorme eficiência. Mas volto a dizer: a redução dos roubos a transeuntes e de veículos é visível. Os dados mostram isso, no estado inteiro. Não foram só as UPPs. As UPPs foram o grande destaque, mas a política de segurança foi um conjunto de medidas: prisões de traficantes e milicianos, envio desses criminosos para o presídio de segurança máxima, despolitização da área de segurança pública. Então a população percebeu que não foi a UPP isoladamente. Não foi mesmo. Imagina se fosse só a UPP. A população percebeu que mudou.

Uma de suas promessas é levar UPPs a todas as comunidades do estado dominadas pelo tráfico e pela milícia. Quantas UPPs serão?

CABRAL: O Mariano (José Mariano Beltrame) já falou. Quarenta, não é? (Pezão, que está ao lado, corrige: 46).

A meta é bastante ousada, não? Daria uma UPP por mês ou uma a cada dois meses.

CABRAL: A gente gosta de ousar, o Rio passou a ousar, graças a Deus. O Rio é um estado de ousadia. Não é o estado da inércia, do abandono, do lamento, da decadência.

Quando se fala dos problemas nos transportes, o senhor diz que já está comprando trens, o que é fato. Mas não está faltando fiscalização? Aquele caso do trem sem maquinista, por exemplo...

CABRAL: As agências (reguladoras) precisam se equipar mais, sobretudo a de transportes A minha meta é fortalecer as agências. Cabe a elas esse papel. Tudo bem se só tem ¿x¿ trens e não dá para fazer de três em três minutos. Mas dá para fazer em quantos? Em cinco? Aparelhar isso não é tão complicado. Para cada engenheiro que a agência contrate ou faça concurso público, você pode ter cinco ou seis estagiários. Vou chamar o Barbosa (Luiz Antônio Laranjeira Barbosa, presidente da Agetransp) para uma conversa com o Júlio Lopes a fim de reestruturar a agência de transportes. A outra, a Agenersa (que regula energia e saneamento), é com o Júlio Bueno (secretário de Desenvolvimento Econômico), mas a Agenersa avançou bem mais.

E a Linha 4 do metrô? O estado está começando pela Barra. Não corre o risco de fazer só o trecho Barra-Gávea?

CABRAL: A FGV já foi contratada, está escolhendo entre uma consultoria espanhola e uma inglesa para definir traçado, etc. Há uma discussão. Primeiro, qual o tipo de trem? Nossa bitola é única, e isso já dificulta. Então tem uma tese de fazer nesse trecho uma bitola diferente. Outra tese é se no trecho Gávea-General Osório ele chega a uma estação contínua ou se faz transbordo, porque aí você poderia botar um trem novo. Mas aí a operadora diz: eu preciso ter um pátio de manobras específico para esse tipo de trem...

Mas, com toda essa discussão, será que vai dar tempo?

CABRAL: Dá. Acredito que, até 2014, se tudo correr bem, a gente inaugura (da Barra) até a Gávea e inaugura (da General Osório) até a Nossa Senhora da Paz. Não sei se Nossa Senhora da Paz-Gávea, que é o trecho mais difícil, a gente consegue concluir. A gente vai ter que fazer um transfer. Mas está nas mãos do Régis (Fichtner, secretário licenciado da Casa Civil). Coisa complicada fica com o Régis (risos).

Cumpri o ciclo no Parlamento e, modéstia à parte, cumpri legal" O GLOBO: O senhor disse que não pretende mais se candidatar.

A decisão pode ser repensada?

SÉRGIO CABRAL: Não, é uma verdade. Como disse Roberto Freire, sem tesão, não há solução.

O senhor perdeu o tesão?

CABRAL: Não (risos). Para voltar a ser parlamentar. Acho que cumpri o ciclo no Parlamento. Modéstia à parte, cumpri legal. Fui deputado com 12 mil votos. Depois, me reelegi com 168 mil votos. O Carlos Minc e a Heloneida Sturdat inventaram a minha candidatura à presidência da Alerj, com 31 anos. Acabamos com o voto secreto. Estabelecemos teto salarial para os funcionários. Enfim, mudamos a Casa. Eu me reelegi, em 1998, com 380 mil votos. Fui o mais votado do Brasil. Fui para o Senado e acabei com essa conversinha de que o senador do Rio era o Ney Suassuna. Fiz o Estatuto do Idoso, isso e aquilo. A Câmara federal não me atrai. Não posso fazer uma coisa que não me atraia.

Quer dizer, então, que nem Câmara nem Senado?

CABRAL: Nem Câmara nem Senado.

E a Presidência e a Vice-Presidência? Ora, se eu estou francamente dedicado a Dilma Rousseff presidente, não posso torcer para que ela e o meu companheiro de partido, Michel Temer (candidato a vice na chapa, pelo PMDB), façam um mau governo. Ah bom, se eles não ganharem, aí é se, se, se... O senhor poderia receber convite para integrar uma chapa...

CABRAL: Deixa eu dizer: eu tenho certeza de que a Dilma vai ganhar.

A discussão sobre aborto pode ter prejudicado Dilma?

CABRAL: Sim. Houve uma exploração perversa, maldosa. Ela não defende mudança na lei (do aborto). Ela está colocando isso de uma maneira muito franca. Há uma legislação em vigor. Caso queira se debater isso, que se debata em outros fóruns. Não trazer como responsabilidade de presidente da República. Ela acabou de ser avó, gente!

O senhor disse ter certeza de que Dilma vai vencer. Mas existe a possibilidade de Serra ganhar. O que isso mudaria na relação com o governo federal?

CABRAL: Não falo sobre essa hipótese (risos). Primeiro, acho que ela ganha. Agora, olha a minha prática com os prefeitos. Minha maior votação proporcional foi em Varre-Sai, cujo prefeito é do PSDB. Fizemos uma obra lá, uma estrada, que é um charme.

O senhor então acredita que não teria problema.

CABRAL: Nenhum problema, imagina, ainda mais o Serra, com quem me dou muito bem. O Serra foi à minha casa em junho. O Lula sabia. Eu disse: não dá, porque estou comprometido com esse projeto. Eu convivo muito bem. O Serra é um democrata também. Ele sabe que eu vou trabalhar mesmo. Ele sabe que já fiz a campanha dele, trabalhei por ele quando muitos o deixaram sozinho na pista, inclusive no segundo turno, em 2002, contra o Lula. E o Lula sabe disso. Era o Ciro, o Garotinho e o Lula. Picciani apoiou o Lula, e eu fiquei com o Serra até o último dia. Aliás, ele teve até um gesto bonito comigo. Assim que me elegi senador, ele foi ao meu gabinete me agradecer. Mas eu acho que a melhor opção para o Brasil é a Dilma. Ela tem os mesmos atributos que o Serra, mas representa um projeto que deu certo. O povo do Rio não votar na Dilma é ingratidão.

E, se for Dilma, o que o governo do Rio vai pedir?

CABRAL: Continuidade. Não tem que explicar nada para a Dilma. Ela acompanhou tudo. Foi sabatinada comigo pelo Comitê Olímpico Internacional. Maior cumplicidade, identidade e confiança, impossível.

Qual será a sua contribuição na campanha de Dilma?

CABRAL: Essa campanha é estratégica. Acho importante ela dar essa corrida pelo Brasil e começar pelo Rio, aliás, é uma honra, mostra o papel que o Rio joga no plano nacional. Mas acho que ela tem de ter tranquilidade, preparo para debates, entrevista. Tem que ter foco. Debate e dez minutos de TV todo dia. Na Alerj, a oposição cresceu.

Está preocupado?

CABRAL: Não. Eu sempre trabalhei com a oposição. Chega perto das eleições, alguns mudam de comportamento, mas a oposição sempre teve livre acesso ao nosso governo, ao diálogo. Às vezes, você tem uma frustração ou outra, o sujeito falava uma coisa, passa a falar outra. A fraqueza da exploração eleitoral é maior do que o histórico do bom relacionamento. A Aspásia (PV), por exemplo, que é uma querida amiga, imagina se não vou construir com ela um diálogo permanente.

E sem o Picciani ali, isso não dificulta a articulação?

CABRAL: Fui presidente da Assembleia oito anos e deputado, 12. Quando o Picciani resolveu ser candidato ao Senado, eu comentei com ele: você sabe que vai fazer falta, é uma pessoa importante para mim lá. Mas ele seguiu. Aliás, eu lamento, porque ele seria um excelente senador para o Rio. Não estou tirando o mérito do Crivella. Quando pedia voto para ele, pedia com vontade. Acho que o PMDB e o PDT, que são as duas maiores bancadas, têm de construir uma solução para a mesa diretora, junto com as demais bancadas, mas capitaneadas pelo PMDB e pelo PDT. Acho que a presidência vai caber à maior bancada, o PMDB. A boa tradição diz que a maior bancada indica a presidência, e a segunda, o segundo cargo mais importante, que, normalmente, é a secretaria geral.