Título: Em Serralândia, voto anti-PT
Autor: Brisolla, Fábio
Fonte: O Globo, 10/10/2010, O País, p. 21

Aborto e impacto do combate à extração ilegal da madeira na economia levou Marcelândia (MT) a optar por Serra

Enviado especial

MARCELÂNDIA (MT). Aos 16 anos, Ivone Torcatti votou pela primeira vez no último dia 3 de outubro.

Pela segunda vez, ela está grávida.

É mãe de Maria Eduarda, de 1 ano e 9 meses. E agora já atingiu o quinto mês de gestação. Ainda não sabe o sexo do bebê. E tem muitas perguntas sem respostas.

Certeza, ela diz, teve ao votar em José Serra. Ivone mora atualmente com o pai do bebê que está por vir, numa casa de madeira no bairro de Vale Esperança, no município de Marcelândia, quase na fronteira de Mato Grosso com o Pará, numa área que faz parte da região amazônica. A cidade registrou a maior votação proporcional de Serra em todo o Brasil: 75,05% do total de 6.042 votos válidos foram destinados ao candidato do PSDB à Presidência da República.

A economia de Marcelândia é totalmente dependente da exploração de madeira. Em 2005, a população da cidade era superior a 20 mil pessoas. Nos últimos anos, o número de madeireiras caiu de 240 para 40, segundo cálculos do setor. Com a redução, os moradores estão deixando o município, com população estimada atualmente em 11 mil pessoas. Ivone não pretende sair. Ela cursa o segundo ano do ensino médio na Escola Estadual Pedro Bianchini.

¿ Se for fechar tudo que é madeireira, o povo vai morrer de fome.

Querem proteger o meio ambiente, mas as pessoas estão passando fome ¿ disse.

Na escola de Ivone, todo mundo vai votar em Serra, ¿menos a bibliotecária¿.

O nome do colégio é uma homenagem ao pai de José Bianchini, o proprietário de terras que deu início à colonização da região.

Ele tinha dois filhos: Marcelo e Ana Maria. Em homenagem ao primeiro, surgiu Marcelândia no fim da década de 70. A caçula não foi esquecida. Existe ainda Analândia, atual distrito de Marcelândia.

Apesar de não ser obrigada a votar, por ter menos de 18 anos, Ivone decidiu tirar o título de eleitor para defender o seu ¿direito¿. Usando a internet da escola, ela começou a pesquisar sobre os candidatos para não tomar a decisão baseada apenas no que os outros falavam. As informações da televisão também ajudaram. Acabou seguindo a maioria.

¿ A TV sempre mostrava o que o Serra tinha feito, os remédios que ele tinha feito. E a Dilma, não. Só o que ela faz é dizer que vai continuar o que o Lula está fazendo. Não promete nada de novo. Só vai continuar o que o Lula fez, mas ela não é o Lula ¿ diz a adolescente, que aproveitou o momento diante da urna para ver quem era Indio da Costa, o vice de Serra.

¿ Na hora em que votei no Serra, vi a foto do Indio, que eu não conhecia. Achei ele bonitão.

Ivone mora com o marido numa casa comprada pela mãe, empregada doméstica.

¿ Minha mãe ia votar na Dilma, mas desistiu depois dessa história.

A tal história ficou conhecida por todos os vizinhos da adolescente.

¿ Ia votar na Dilma, mas andaram falando um monte de coisa na internet, que se ela ganhar vai aprovar uma lei a favor do aborto ¿ diz a empregada doméstica Maria Leal, de 34 anos.

Tem internet em casa? ¿ Tenho não. Mas tenho uma amiga que tem uma amiga que tem. Ouvi o pessoal falar.

A eleitora decidiu votar em Serra, um sujeito que até pouco tempo atrás ela não sabia quem era. Maria nunca tinha visto o rosto do candidato até o início da campanha eleitoral.

Teve a oportunidade assistindo à TV, porque em Marcelândia não há cartazes com fotos do tucano. O desconhecimento está relacionado à religião.

Maria frequentava uma igreja evangélica que proibia seus fiéis de assistir à TV. Por isso, sempre pediu conselhos aos amigos ao tomar decisões como a escolha do voto.

¿ Saí da igreja há dois anos e comprei uma televisão ¿ diz ela, sorrindo.

Explica que o bairro de Vila Esperança é repleto de evangélicos, sendo que ¿todos vão votar em Serra¿.

Em Marcelândia, alguns votam em Serra por admiração. Muitos por queixas contra o PT e Dilma, que teve 22,79% da votação. E quase todos reagem com indignação ao ouvir o nome de Marina Silva. No município, a candidata do PV teve 83 votos, 1,3% do total.

A razão da rejeição começa em 2005, quando a Polícia Federal deflagrou a operação Curupira, que identificou dezenas de madeireiros envolvidos na extração ilegal em Mato Grosso.

O lugar acabou sendo um dos principais alvos da operação.

Marina Silva era ministra do Meio Ambiente e teve um papel decisivo em todo o processo. A partir daí, houve uma redução drástica da extração irregular, mas a economia local entrou em colapso. Os donos de madeireiras começaram a migrar para outras cidades; e o desemprego aumentou exponencialmente afetando diretamente a população mais pobre.

Seja qual for a pergunta sobre a candidata derrotada do PV, a resposta começa com a história do helicóptero.

Do fazendeiro ao operário, do empresário de madeireira ao frentista, todos citam a quase vinda de Marina à Marcelândia em janeiro de 2008. Na data, o município ostentava o recorde de queimadas no país.

Foram 5.300 focos de incêndio registrados no ano anterior. Acompanhada por Tarso Genro, Marina visitava algumas cidades de Mato Grosso. Ao pousar no aeroporto de Marcelândia num helicóptero da Força Aérea Brasileira, mais de mil pessoas aguardavam a ministra.

O prefeito Adalberto Navair Diamante, do PT, acredita que o apoio de Marina a um dos candidatos possa resultar em perda de votos no caso de Marcelândia: ¿ Ela realmente não quis descer do helicóptero. Nem vimos a cara dela.

Artêmio José Verus, de 48 anos, pretende votar em Serra ¿de qualquer jeito¿, mesmo com o apoio de Marina. Dono de uma madeireira, ele colou na entrada de sua empresa um papel com a foto de Dilma, acompanhada por uma das mensagens veiculadas pela internet. E, apesar da insatisfação com o PT, votou para governador em Sinval Barbosa (PMDB), que fazia campanha para a candidata petista.

¿ O motivo de todo mundo votar no Serra é simples: Marcelândia apanhou demais no governo do PT. Teve muita gente presa sem justificativa ¿ critica o empresário.

Ele defende que o governo autorize novas áreas para a técnica de manejo florestal, um tipo de extração controlada pelos órgãos ambientais do governo que já vem ocorrendo na cidade: ¿ A oferta da madeira hoje é muito pequena. As pessoas estão deixando Marcelândia. Os meus empregados estão indo embora.

O juiz Anderson Andreotto, um dos principais defensores do meio ambiente na cidade, também constata a evasão da população: ¿ O grande vetor econômico da região é a exploração florestal, que tem sido rigorosamente fiscalizada.

E, com isso, o setor está enfraquecendo.

Desde a divulgação do recorde de queimadas em Marcelândia, o juiz reuniu um grupo para conscientizar os produtores rurais sobre os riscos relacionados ao fogo: ¿ De 5.300 focos de incêndio registrados há dois anos, o número caiu para 130 em 2009. O desmatamento caiu 96% em Marcelândia.

Arnobio Vieira de Andrade, de 71 anos, é um arguto observador do cenário político da cidade. Ele é criador de gado Nelore em uma fazenda de 15 mil hectares e tem ainda uma outra área no município aguardando a aprovação para a exploração de madeira através de manejo. Além disso, coordena uma frota de caminhões para transporte de cargas de madeira e gado. Na cidade, ele foi cabo eleitoral de Sinval, mas deixou claro que seu candidato à Presidência seria Serra: ¿ Não sou político, não tenho comprometimento com ninguém.

Por isso, num comício do Sinval, eu disse que meu candidato era o Serra. Acho que a votação dele vai aumentar mais no segundo turno e passar dos 80%.