Título: Em Calumbi, quase 95% para papai Lula e mamãe Dilma
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 10/10/2010, O País, p. 20

Com Bolsa Família e obras, petista teve sua maior votação em cidade pernambucana

CALUMBI (PE). ¿Aqui todo mundo é papai Lula e mamãe Dilma.¿ A frase do trabalhador rural Benedito Vieira dos Santos, de 37 anos, atualmente no exercício do primeiro emprego formal conseguido em Pernambuco ¿ já teve um outro em São Paulo ¿, resume bem o clima de Calumbi, onde Dilma Rousseff (PT) obteve seu maior percentual de votação do país em 3 de outubro: 94,84%.

No município de 7.600 habitantes, a 411 quilômetros de Recife, quase nada lembra a campanha política, e a propaganda presidencial praticamente não chegou até lá. No centro, só dois imóveis tinham cartazes com fotografia de Dilma. Foram os santinhos dos proporcionais, com a ¿cola¿ no verso, que se transformaram em ferramentas para o porta a porta liderado pelo prefeito Erivaldo José da Silva (PSB).

Mais de mil domicílios foram visitados, quando os eleitores aprenderam a optar pelo 13 da candidata.

Iniciativa que deve ter contribuído para o resultado, já que 40,46% da população adulta do local são de pessoas analfabetas. Dilma contou ainda com o empenho de todos os nove vereadores da Câmara Municipal, filiados a três partidos: DEM, PCdoB e PSB. Todos apoiaram Dilma, inclusive o DEM, da coligação do tucano José Serra, e o PSB, de oposição ao prefeito dilmista.

Professor e político, o vereador Mauro Bezerra Filho (DEM) acompanhou o termômetro das ruas: ¿ No quinto mandato, conheço 90% das pessoas de Calumbi. Sempre disse que Serra só teria cem votos no município. Errei por um. Teve 99 ¿ diz Bezerra Filho, presidente da Câmara Municipal.

No município, Serra obteve 2,51% dos votos, quase a mesma proporção de Marina Silva (PV) ¿ 2,30%.

Apesar de fazer oposição ao prefeito, a vereadora Cecília Maria de Lima Ferreira (PCdoB) não hesitou em apoiar a candidata do PT: ¿ Tenho parentes que moram em São Paulo e não gostaram do governo Serra. Disseram que o valerefeição que ele dava aos servidores só era suficiente para uma coxinha de galinha por dia.

Para o agricultor aposentado Elias Serafim de Lima, de 72 anos, que cultiva ervas medicinais, os 99 votos de Serra provavelmente vieram de pessoas que moram em outras regiões e foram votar em Calumbi, que tem 5.784 eleitores.

¿ Aqui é tudo Dilma, a mulher que Lula indicou. Lula é amante da pobreza, aumentou o salário dos aposentados, cortou um dedo da mão fazendo ¿cunha¿ na enxada, viveu na seca, venceu. Todo mundo deve homenagem a Lula. Uma pessoa não pode falar mal de um homem daquele. Ele é de outro mundo, e Dilma tem que ficar no lugar dele. Quem quiser dar um voto a Serra, que dê ao cão, que tucano é bicho, não é homem, não ¿ justificava Elias, ignorando que Lula perdeu o dedo como metalúrgico.

¿ Em Calumbi, todo mundo é papai Lula e mamãe Dilma ¿ reforça o lavrador Benedito Vieira dos Santos, residente no sítio Camaleão, a seis quilômetros do centro de Calumbi.

Com IDH de 0,580, a população sobrevive de empregos públicos, pequeno comércio, agricultura familiar e benefícios como o Bolsa Família, com mais de mil famílias inscritas ¿ o que significa cinco mil pessoas, em média, ou quase a totalidade da cidade. Benedito mora numa casa sem banheiro, perde três horas diárias para buscar água de boa qualidade em fontes próximas e ergueu sua ¿tapera¿ com as próprias mãos. A residência é de alvenaria, mas tem um ¿puxadinho¿ de taipa.

Ele só teve carteira assinada em 1991, quando trabalhou na construção civil, em São Paulo, fugindo da seca. Desde que retornou, vive da agricultura de subsistência.

Nos meses de seca, a renda segura da família são os R$ 134 do benefício. De vez em quando ele faz um biscate, ¿trabalhando alugado¿ em fazendas vizinhas a R$ 15 por dia.

Agora, espera o primeiro salário de trabalhador formal. Foi contratado para a construção de uma ponte que está sendo implantada na cidade, sonhada há mais de 50 anos. Nem sabe o salário. Tivesse ou não emprego, votaria em Dilma: ¿ Ela pode não ser melhor, mas se ficar do jeito que Lula está já dá pro gasto.

Não muito longe dali, Maria José Pereira dos Santos, de 51 anos, e o filho Luciano Pereira dos Santos, de 18, carregam água para casa.

¿ A gente acha que Dilma vai ser boa pessoa. Lula não ia mandar a gente votar em gente ruim ¿ diz Maria.

Na fazenda vizinha, a Cabaceiras, Ernesto Moura de Lima, dono de 40 cabeças de gado, não tem benefício, mas votou e votará em Dilma: ¿ Ela está representando ele (Lula).

Lula fez um governo bom, trouxe muita coisa boa para o agricultor mais fraco. Vou esperar que ela faça um governo melhor que o dele.

Na estrada poeirenta que leva aos distritos rurais de Calumbi, Antônio Braz Vieira, de 65 anos, carrega dois cabritos recém-nascidos. Este ano, pela primeira vez, ele conseguiu crédito rural: R$ 1,5 mil do Programa de Agricultura Familiar (Pronaf): ¿ Lula foi bom pro Brasil inteiro. Ela (Dilma) pode não ser igual, mas tenho fé que faça uma aparência como ele.

O vereador do DEM Mauro Bezerra Filho diz que não é só o Bolsa Família que conquistou os lavradores de Calumbi.

Lembra que eles vêm sendo beneficiados pelo programa Compra Antecipada Especial de Agricultura Familiar, pelo qual famílias conseguem renda mensal de R$ 900. Uma fortuna para os padrões da caatinga. O objetivo é beneficiar R$ 1,3 mil agricultores de Calumbi, onde 70% da população ainda é rural: ¿ Muita gente vai ter como viver do seu sustento. Antes trabalhavam em seis meses de inverno e passavam seis sem fazer nada, devido à seca. Agora têm irrigação ¿ explica.

Para o vereador, que é coordenador do Conselho de Desenvolvimento Rural de Calumbi, as obras implantadas na cidade também serviram para animar os moradores; a de saneamento tem verba do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Bezerra Filho informa que, contando-se todas as obras em implantação na cidade, foram gerados cerca de 300 empregos.

Muita coisa, diz, para uma cidade onde a prefeitura sobrevive de transferências federais e estaduais.

Entre as obras mais comemoradas, encontra-se uma ponte sobre o Rio Pajeú, sonho alimentado há mais de 50 anos pela população. Foi nessa obra, que está sendo construída pelo governo do estado, que Benedito arranjou emprego.

¿ Somando-se recursos previstos em saneamento e a construção da ponte, temos investimentos de R$ 6,5 milhões, volume maior do que o orçamento da prefeitura para o ano inteiro, que não passa de R$ 6 milhões ¿ afirma o prefeito, que implantou um centro gratuito de inclusão digital.

Na cidade, o ensino é precário.

Já foi pior. Segundo a secretária de Educação, Abilene Cristiane Cordeiro, são 1.214 alunos matriculados, 90% da população em idade escolar. Até 2009, a maior parte das classes era multisseriada: as crianças da pré-alfabetização à antiga 4asérie estudavam na mesma sala.

Agora, há apenas sete multisseriadas, e as crianças só são de duas séries (3ae 4a. A prefeitura fechou as escolas de má qualidade e dispôs transporte escolar para recolher crianças nos sítios. Também paga o melhor salário da região aos professores: R$ 1.030, mais que o piso do MEC, de R$ 1.024. Para Benedito, a escola na cidade, mesmo longe, é uma bênção: ¿ Aqui no sítio ninguém aprendia nada. Era um amontoado de menino numa sala, sem água, sem condição. Agora a escola é boa.

Antes, crianças vizinhas recorriam a canoas para atravessar o Pajeú no inverno. Muitas faltavam até cinco dias de aula com medo da correnteza. Com a ponte, o percurso dos sítios ao centro será feito em um quilômetro.

O prefeito já arregaça as mangas para o segundo turno. Precisa de santinhos só com o 13, mas não tem nenhum. E teme abstenção maior do que no primeiro turno, quando 1.182 eleitores faltaram: a eleição coincide com a Romaria do Padre Cícero, de Juazeiro do Norte (CE), viagem para a qual ele cede anualmente quatro caminhões pau de arara. Normalmente, os romeiros partem bem de manhã: ¿ Já avisei. Todo mundo viaja, mas só depois de votar ¿ alerta.