Título: No 2º turno, promessas que não fecham as contas do Orçamento
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 10/10/2010, O País, p. 19

Serra se compromete com gastos extras, como 13o- para Bolsa Família

Com críticas contundentes à atuação do Banco Central na primeira fase da campanha presidencial, o candidato do PSDB, José Serra, elegeu como principais bandeiras na área econômica a queda substancial das taxas de juros e um câmbio mais equilibrado, que estimule as exportações e não prejudique a indústria. Mas, no esforço para chegar ao segundo turno, o tucano assumiu compromissos que, na prática, dificultam o alcance dessas metas. Comprometeu-se com gastos extras, não previstos no Orçamento de 2011, que chegam a R$ 38,2 bilhões, se considerado o impacto de promessas como o salário mínimo de R$ 600, o reajuste de 10% para os aposentados que ganham acima do mínimo e a ampliação dos benefícios do Bolsa Família.

A campanha do segundo turno, com apenas dois candidatos, é a oportunidade para que eles expliquem melhor como pretendem pôr em prática suas propostas.

BRASÍLIA

A receita dos especialistas para reduzir a taxa de juros e equilibrar o câmbio, revertendo a valorização excessiva do real frente ao dólar, inclui, necessariamente, um ajuste nas contas públicas com a redução dos gastos correntes do governo ¿ as despesas com pessoal, Previdência e com a máquina administrativa. O candidato José Serra sinaliza no sentido oposto, ao propor a elevação de algumas dessas despesas.

¿ Com propostas expansionistas como o aumento do salário mínimo, o ajuste que poderia iniciar em 2011 fica prejudicado.

É uma proposta legítima, mas tem um custo fiscal elevado ¿ afirma o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências.

Para chegar a R$ 600 em 2011, o mínimo, que hoje é de R$ 510, precisará de um reajuste de 17,6%, ou 11,5% acima da inflação estimada para 2010. O projeto de Orçamento encaminhado ao Congresso pelo atual governo prevê a correção do mínimo pela inflação, o que elevaria o valor para R$ 538. A diferença representa despesa extra de R$ 17,7 bilhões.

O reajuste de 10% para os aposentados e pensionistas que ganham acima do mínimo ¿ outra promessa do candidato tucano ¿ vai gerar uma despesa adicional em torno de R$ 6 bilhões em 2011, que também não está prevista na proposta orçamentária.

Serra também prometeu duplicar os investimentos no Bolsa Família e pagar 13º para os beneficiários do programa.

No Orçamento do ano que vem, há uma dotação de R$ 13,4 bilhões destinada ao custeio do Bolsa Família, que hoje atende 12,4 milhões de famílias carentes. Para cumprir a promessa já em 2011, o candidato precisaria dispor de mais R$ 14,5 bilhões.

¿ A solução tem que ser fiscal, não tem outra. O drama é que, no Brasil pósdemocratização, o voto é igual para ricos e pobres, mas a distribuição de renda é desigual. Assim, é muito difícil imaginar que os candidatos não concentrem seu discurso na melhoria da distribuição de renda e na redução da pobreza ¿ afirma o economista Raul Velloso, consultor independente.

Velloso traduz em números o impacto. São 27,3 milhões de pessoas que recebem salário mínimo ou algum benefício vinculado ao mínimo, que garante sustento de pelo menos duas pessoas em cada família: ¿ Um candidato que quer ser competitivo não vai pedir aumento para um item que atinge 50 milhões de eleitores? É suicídio político (não pedir) ¿ afirma.

O problema é que as promessas de campanha afastaram o candidato tucano da viabilização de suas principais bandeiras. Ao criticar com veemência os juros altos e a valorização do câmbio, que considera excessiva e prejudicial ao setor produtivo, Serra sinaliza que vai mexer nessas duas importantes variáveis da economia, caso seja eleito. Mas não explicou como viabilizará as mudanças sem uma redução nas despesas do governo.

A queda dos juros depende da redução das despesas do governo. Hoje, o governo gasta em excesso e tem aumentado os investimentos, e a pressão desses gastos sobre a economia pode se transformar em inflação. Os juros elevados cumprem o papel de segurar os preços e a demanda.

Com o câmbio, o problema é o excesso de dólares entrando no país. Investidores são atraídos, em boa parte, pelos juros altos.

O governo tem adotado medidas para conter a valorização do real frente ao dólar, como a elevação do IOF, mas sem sucesso. A receita dos economistas é a mesma: redução dos gastos seguida de redução dos juros.

¿ A queda dos juros teria efeito sobre o câmbio, sem dúvida, e a política de acumulação de reservas teria um custo menor ¿ observa o economista Felipe Salto, complementando: ¿ Adotar uma estratégia eleitoral, que é legítima, tem implicações do ponto de vista fiscal, vai onerar o Orçamento. Tem dinheiro para fazer, mas alguém vai sair perdendo. No final, as contas vão fechar, mas se perde a oportunidade de iniciar já no primeiro ano de governo uma estratégia de aumento da poupança interna.

Isso não é tão imediatista, mas traria igualmente benefícios para a população com aumento do emprego e renda.

O projeto do Orçamento de 2011 encaminhado ao Congresso pela atual equipe econômica já prevê uma elevação das despesas em relação aos gastos de 2010 ¿ mesmo com toda a expansão ocorrida no ano eleitoral.

São R$ 753 bilhões (19,34% do PIB) contra R$ 670 bilhões (18,94% do PIB), aumento de 0,4% do PIB.

Com as promessas do candidato tucano, esse quadro fica ainda mais difícil. Só o aumento extra do salário mínimo e dos aposentados representa um acréscimo em torno de 0,7% do PIB. Além disso, um estudo da assessoria técnica do Orçamento na Câmara mostra que a proposta de Orçamento não previu despesas que vão acontecer em 2011, como a compensação aos exportadores (Lei Kandir) e os aumentos para Judiciário e Ministério Público ¿ os projetos que tramitam no Congresso já estão pré-negociados. Trata-se de uma conta de R$ 11 bilhões que precisa ser equacionada.

As chamadas despesas obrigatórias ¿ pessoal, Previdência e demais despesas vinculadas ao salário mínimo, entre outras ¿ abocanham a maior parcela do Orçamento. Somam R$ 553,2 bilhões, ou 73,5% dos gastos na proposta para 2011, deixando pouco espaço para os investimentos que o candidato tucano promete ampliar.

O Orçamento prevê R$ 32 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿ que Serra critica, por considerar que não tem foco ¿ mas, mesmo que fosse reduzido substancialmente, não teria impacto nesse esforço de redução das despesas, já que as despesas do PAC não entram na conta do superávit primário. Além disso, são investimentos, e o que os analistas recomendam é o corte de gastos de custeio.

Na área tributária, as promessas de campanha do candidato tucano ¿ como zerar tributos para alimentos e medicamentos ¿ resultam em renúncia de receita.

Ou seja, se fossem colocadas em prática, reduziriam as receitas do Orçamento. O candidato não apresentou, como sua principal concorrente, a petista Dilma Rousseff, uma proposta de reforma tributária, embora a alta carga tributária do Brasil tenha sido tema constante nos debates e entrevistas do primeiro turno.

¿ Ele não vai poder fazer tudo ao mesmo tempo. Para premiar alguns setores, vai ter que compensar com outras medidas.

Melhorar a qualidade da gestão, enxugar gastos onde há ineficiência, atrair o setor privado para fazer investimentos.

Tem que ter um leque de políticas diferentes do que está aí. É duro ganhar a eleição e manter a coerência ¿ conclui Velloso.

O economista Geraldo Biasoto, um dos mais influentes consultores econômicos de Serra, diz que é possível reduzir despesas do Orçamento e, ao mesmo tempo, dispor da receita necessária para viabilizar os compromissos sociais assumidos pelo candidato. Entre as medidas, cita a redução de cargos comissionados, de transferências a terceiros e de custos financeiros que oneram o Orçamento, como o diferencial de juros pago pelo Tesouro para manter as reservas internacionais.

¿ O Banco Central teve um prejuízo de R$ 99 bilhões em 2009, fruto de uma política econômica equivocada ¿ afirma.

O economista argumenta ainda que as receitas do projeto de Orçamento encaminhado ao Congresso estão subestimadas.

Lembra que a expansão da arrecadação da Previdência estimada é de 8,4%, em relação a 2010.

Ele prevê uma expansão de 17,3%, baseado no comportamento da economia e no crescimento do emprego formal.