Título: Benefícios visíveis
Autor:
Fonte: O Globo, 13/10/2010, Opinião, p. 6

Pode-se discutir os efeitos da Lei 11.705/08, mais conhecida como Lei Seca, pelo viés estatístico ou pelo ponto de vista do bom senso. Em ambos, é clara a percepção dos benefícios de uma legislação que modificou o Código de Trânsito Brasileiro, tornando-o mais rígido para punir aqueles que dirigem sob o efeito de bebidas alcoólicas.

A análise dos números desde a adoção da lei mostra, de acordo com recente levantamento do Ministério da Saúde, uma queda no total de mortes decorrentes de acidentes de trânsito em todo o país (de 37.161 para 34.859, o que corresponde a uma redução de 6,2%, até junho deste ano). A taxa de mortalidade caiu de 18,7 por cem mil habitantes para 17,3 (7,4% a menos).

Tal tendência é ainda mais significativa se for levado em conta que, segundo o ministério, havia uma curva histórica de crescimento da tragédia. É direta a relação entre redução da violência no trânsito e a adoção de normas mais duras para lidar com motoristas que misturam álcool e direção: no período analisado, o único fator novo com potencial redutor foi a decretação da Lei Seca, sancionada em junho de 2008.

No mesmo levantamento, o Ministério da Saúde detectou diminuição no número de mortes em 17 estados. Entre as unidades com indicadores mais expressivos estão o Espírito Santo (18,6% a menos), Alagoas (menos 15,8%), Distrito Federal (menos 15,1%) e Santa Catarina (redução de 11,2%).

Entre todos, no entanto, sobressai o Estado do Rio, com uma redução de 32% no número de óbitos em acidentes de trânsito. Em números absolutos, até a divulgação da estatística, em junho, a queda havia sido de 2.169 (antes da lei) para 1.475 óbitos ¿ ou seja, quase 700 vidas foram poupadas nos municípios fluminenses desde que foram introduzidas as alterações no CTB.

Pela ótica do bom senso também são palpáveis os pontos positivos da Lei Seca. É impossível acreditar que um motorista dirigindo sob o efeito do álcool preserve os reflexos indispensáveis a quem, a qualquer momento, tenha de mostrar agilidade, habilidade e acuidade diante de um imprevisto. Esse tipo de avaliação chega a ser cavilosa, diante de uma realidade em que ¿ por negligência ou comportamento de risco daqueles que seguram um volante como se estivessem empunhando uma arma ¿ milhares de famílias choram suas vítimas, mortas ou tornadas incapazes em consequência da violência no trânsito. Entre as razões dessa tragédia, os acidentes provocados por motoristas embriagados sempre ocuparam uma lugar de destaque.

Durante décadas, o país conviveu com essa carnificina ¿ e, mesmo com os índices positivos da Lei Seca, ainda não a debelou, o que reforça a necessidade de fiscalização permanente.

As estatísticas deixam o Brasil mal situado no ranking das nações que também sofrem com esse drama. Se é verdade que, ao longo dos anos, o Brasil tentou enfrentar a barbárie com códigos e normas, não é menos correto perceber que as legislações adotadas até o advento das alterações no CTB mostraram-se inócuas para reduzir os lúgubres índices.

As estatísticas mostram melhoras, mas é ingenuidade achar que a lei, por si só, será suficiente para reduzir os índices de violência no trânsito. Blitzes, fiscalização e mudança de comportamento (e de hábitos) dos motoristas são a complementação natural das novas normas, cuja eficácia começa a aparecer na redução dos índices de uma tragédia que, se não pode ser evitada, tem tudo para ser reduzida a índices bem mais baixos.