Título: Governo mira mercado futuro
Autor: Barbosa, Flávia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 14/10/2010, Economia, p. 25
Equipe econômica estuda medidas para desestimular investimentos em contratos de câmbio
Flávia Barbosa, Martha Beck, Patrícia Duarte e Bruno Villas Bôas BRASÍLIA e RIO
Importante canal de especulação no câmbio, as operações no mercado de derivativos ¿ lastreadas na variação de ativos como ações, dólar e juros ¿ estão agora na mira da equipe econômica, que estuda medidas para desestimular seu uso. Entre elas, o aumento de tributação e a elevação das garantias mínimas exigidas. Apostando na desvalorização do dólar e contando com a gorda remuneração das taxas de juros no Brasil, os aplicadores estrangeiros negociam aqui contratos ¿ em uma série de operações casadas ¿ que acabam provocando uma apreciação ainda maior do real. Ontem, o dólar comercial caiu pelo terceiro dia seguido e fechou a R$ 1,655 para venda (-0,66%), o menor valor desde 2 de setembro de 2008, após dois leilões do Banco Central (BC).
Apenas as apostas dos especuladores já são suficientes para influenciar as cotações no mercado, mas os derivativos têm ainda como pressão sobre o dólar sua forma de operar. Isso porque, para realizar essas manobras, os investidores precisam depositar em bancos ou na Bolsa (BM&F Bovespa, onde os contratos são negociados) uma garantia do valor negociado, a chamada margem. Esse recurso é captado a custo bem baixo no exterior, e o objetivo é fazer render no Brasil, que paga juros de 10,75% ao ano. É a chamada arbitragem.
Diante desse quadro, são apontados dois possíveis movimentos para coibir o efeito dessas operações: mais impostos ou elevação das garantias, o que reduziria a atratividade da operação.
As duas alternativas, no entanto, são complicadas. Do ponto de vista tributário (opção da Tailândia, que acaba de taxar operações de arbitragem), existem a questão legal sobre diferenciação de tributação entre origens dos investidores e do ano-calendário de cobrança. Pela lei brasileira, qualquer elevação de Imposto de Renda, por exemplo, só pode valer para o ano seguinte, o que não resolveria a questão emergencial.
No aumento da margem (que encareceria as operações com derivativos), a decisão não é governamental.
Como esses valores precisam ser depositados na BM&F Bovespa ou em um banco, a bola está com o mercado. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já afirmou que vem conversando com a Bolsa sobre o problema cambial.
Mais apostas na queda do dólar
Nos bastidores, o governo sabe que está usando espanador onde é necessário um trator. A avaliação é que o problema é global e que os únicos com cacife para atenuá-lo são Estados Unidos, China e União Europeia.
As apostas de fundos de investimentos e investidores estrangeiros contra o dólar vêm aumentando no mercado futuro. Segundo dados da BM&F Bovespa, os estrangeiros têm US$ 7,8 bilhões na ponta de venda dos contratos, ou seja, apostando na queda da moeda ¿ no jargão do mercado, ¿vendidos¿. Em 4 de outubro, o volume era de US$ 6,5 bilhões.
¿ Estrangeiros e empresas continuam pesando a moeda. Os bancos estão comprados no mercado futuro (apostando na alta da cotação), mas vendidos no mercado à vista. Ou seja, também apostam na queda da moeda ¿ explica Jorge Knauer, diretor de tesouraria do banco Prosper.
No último dia 4, o governo elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre investimentos estrangeiros em renda fixa de 2% para 4%. O economista-chefe da Modal Asset Management, Felipe Tâmega, explica que, mesmo após o aumento, aplicações de seis meses em juros no Brasil ainda são atraentes. Nesse cenário, a remuneração seria de 2,05% ao ano para as aplicações.
¿ Isso já é suficiente para a aplicação ser lucrativa, ou seja, remunerar melhor que os juros americanos ¿ explica Tâmega.
Para ele, a valorização do real é ¿um grão de areia¿ em relação ao movimento mundial de perda do dólar.
Moedas de diferentes países avançaram sobre o dólar americano neste ano, como o dólar australiano (10,92%) e o canadense (5,15%), segundo dados da Bloomberg. Nesse mesmo período, o real acumula valorização de 5,30%.
Economista do BES Investimentos, Jankiel Santos afirma que muitas possibilidades de intervenção são levantadas no mercado financeiro. Leilões no mercado futuro de câmbio e a limitação de posições ¿vendidas¿ (apostas na queda da moeda), além do aumento da margem, hoje em 15%: ¿ O governo pode adotá-las, mas nada deve funcionar. A eficácia de medidas está nas mãos dos EUA.
Na última terça-feira, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) afirmou que em breve deve ocorrer uma segunda rodada de afrouxamento monetário para estimular a economia.
¿ Isso significa que haverá mais dólares vindo para os juros brasileiros ¿ acrescenta Santos.
O economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Rubens Sardemberg, também vê poucas chances de o dólar retomar a curto prazo o patamar de R$ 1,80.
¿ Há consenso de que parte do problema é o sucesso do Brasil, que tem atraído grande fluxo de capitais estrangeiros. Mas o que faltou foi uma atuação mais firme do governo na questão fiscal, que teria levado a uma redução dos juros e desse fator de atração para estrangeiros.
BC reduz atuações no mercado à vista
Mesmo com IOF maior, a conta financeira ¿ por onde passam os investimentos estrangeiros diretos e em portfólio ¿ ficou positiva em US$ 3,265 bilhões entre os dias 1º e 8 desse mês, de acordo com o BC. No acumulado do ano, o saldo líquido já soma US$ 24,824 bilhões, quase oito vezes mais do que a cifra vista um ano antes, de US$ 3,142 bilhões.
Na semana passada, o BC manteve a postura, adotada na virada do mês, de atuar com menos intensidade na compra de dólares, depois da capitalização da Petrobras, que o obrigou a adquirir um volume estrondoso de moeda ao longo de setembro. No mês passado, foram US$ 10,757 bilhões, recorde histórico. Em outubro, até o dia 8, foram US$ 2,764 bilhões, sendo que em um único dia foi pouco mais de US$ 1,1 bilhão. Nas últimas semanas, porém, o BC desacelerou suas compras no mercado à vista para menos de US$ 500 milhões por dia.
A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou ontem em alta de 1,03%, aos 71.674 pontos. É o maior nível desde 8 de abril.