Título: Prefeitos querem dar uma lição no governo
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2009, Brasil, p. 8

Políticos estarão em Brasília na semana que vem para reclamar de leis que obrigam investimentos em pessoal e merenda sem o devido repasse

Escola municipal em Santo Antônio do Descoberto, que tem diversos problemas de infraestrutura: lei federal garante repasses para pagamento de salários e alimentação, mas prefeituras dizem que o dinheiro não é suficiente

Escola municipal em Santo Antônio do Descoberto, que tem diversos problemas de infraestrutura: lei federal garante repasses para pagamento de salários e alimentação, mas prefeituras dizem que o dinheiro não é suficiente

Em Santo Antônio do Descoberto, cidade goiana a 50km de Brasília, os alunos do colégio municipal têm merenda todos os dias. E os professores recebem o salário com base no piso nacional da categoria. São benefícios previstos em leis federais ¿ e que ilustram bem a chiadeira geral de prefeitos em todo o país. Eles reclamam que o dinheiro repassado pela União é insuficiente para custear a educação nas cidades. E devem aproveitar a 12ª Marcha de Prefeitos, na semana que vem, em Brasília, para acrescentar à lista de reivindicações menos obrigações e mais recursos para a Educação.

¿Esse é o grande ponto da discussão. O Congresso legisla, mas a execução dos programas não é discutida com os municípios. No fim das contas, os programas custam bem mais para a prefeitura do que para o governo federal¿, reclama o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski.

Um dos exemplos ¿ ele ressalta ¿ é a merenda escolar(1). Hoje, o governo federal repassa às cidades 22 centavos por aluno para cada dia de aula. Mas o gasto, muitas vezes, chega a ser 13 vezes maior. Pelo menos na matemática de Ziulkoski. ¿O gasto da prefeitura fica entre 60 centavos nas cidades mais pobres e R$ 3 nos municípios com mais caixa. E nem queira saber o que dá para comprar de comida para os alunos com esse dinheiro. Imagine se ficar apenas no repasse federal¿, reclama.

Os prefeitos querem aproveitar a marcha para pedir um reforço nos repasses federais, principalmente devido ao piso nacional dos professores, de R$ 950, sancionado no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo separou no Orçamento da União deste ano R$ 5 bilhões para os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica(Fundeb(2)). Pela lei, pelo menos 60% desses recursos são para pagar pessoal. Mesmo assim, as prefeituras reclamam que precisam fazer malabarismos para conseguir adequar a folha de professores.

¿Acabamos de adequar o município a essa realidade, mas tivemos que diminuir o quadro administrativo das escolas. Reduzimos bastante o quadro de secretários e os serviços burocráticos estão mais lentos¿, argumenta o prefeito de Santo Antônio do Descoberto, Davi Leite. Ele diz que, além de cortar pessoal, é preciso realocar parte do orçamento da Secretaria de Educação que iria para a manutenção e compra de materiais para os colégios município.

Alheia a toda essa disputa orçamentária, a comunidade escolar sente a escassez de recursos e também reclama. ¿Às vezes falta carteira na sala de aula. Os banheiros são sujos e não há torneiras¿, lamenta Bruno Duarte, estudante de uma escola de ensino fundamental do município. ¿Falta papel, material didático, principalmente para quem estuda à noite. Falta tudo. As paredes precisam de pintura e, de vez em quando, dá problema na rede elétrica¿, reclama a professora Paulina Maria Saraiva, que leciona em uma escola municipal para jovens e adultos.

Em Águas Lindas, também no entorno do Distrito Federal, a secretária de Educação, Maria de Jesus dos Santos, diz que o dinheiro do Fundeb tem sido suficiente para adequar a folha de pagamento ao novo piso dos professores. Por outro lado, os repasses federais para a merenda e para o transporte escolar dos alunos, segundo ela, sempre acabam antes da hora. ¿Em alguns meses, a verba não dá para metade da despesa.¿

Conta apertada O presidente da União Brasileira de Municípios, Leonardo Santana, reclama que o caixa das prefeituras está sufocado. ¿O nosso lamento é que se criam atribuições para o município sem a previsão orçamentária. Queremos colocar essa insatisfação na marcha da semana que vem e pressionar por uma atenção maior do governo e do Congresso¿ afirma.

O Ministério da Educação diz que os repasses para merenda, transporte, manutenção e material didático a estados e municípios, este ano, devem chegar perto de R$ 9 bilhões, e que o ensino básico é de responsabilidade dos estados e municípios. A União, segundo o órgão, tem apenas o papel de completar o orçamento.

¿O grande problema é que o investimento em educação no Brasil ainda é muito baixo¿, avalia o professor José Marcelino Pinto, da faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do câmpus da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Especialista na área de políticas para a educação, ele afirma que os dados do governo apontam que o investimento por aluno na escola pública não passa de US$ 1.100 por ano. E que os recursos destinados à área não representam mais do que 4% do PIB, que é a soma das riquezas produzidas no país.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o investimento anual, por aluno, beira os US$ 8 mil e chega a 6% do PIB norte-americano. O Brasil fica atrás de países vizinhos, como Chile e Argentina, onde o gasto por estudante em doze meses soma cerca de US$ 1.500. ¿O Brasil precisa desenvolver a educação e investe como se não houvesse essa demanda¿, afirma o especialista.

1- DE ACORDO COM O CENSO Os repasses do governo federal para a merenda escolar são em caráter suplementar. Hoje, a União transfere o equivalente a R$ 0,22 por aluno diariamente em escolas públicas e entidades filantrópicas com ensino básico ¿ com exceção das escolas indígenas ou em comunidades quilombolas, onde o repasse é de R$ 0,44 por estudante ao dia. Cada estado ou município recebe o recurso conforme os dados do censo escolar.

2- FUNDO DE R$ 5 BILHÕES Criado em 2006 e regulamentado no ano seguinte, o Fundeb substituiu o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), que só previa recursos para as escolas de 1ª a 8ª séries. Com vigência até 2020, vai representar um aporte de R$ 5 bilhões aos estados e municípios este ano. Pelo menos 60% vão para pagar pessoal. O restante deve ser usado na manutenção das escolas públicas.

Finalidades x Repasses

Merenda escolar Prevista em lei para alunos do ensino infantil, fundamental, médio e também para o programa de educação de jovens e adultos. Repasse do Ministério previsto para 2009: R$ 2,02 bilhões.

Transporte escolar Atribuição de estados e municípios. Ministério da Educação separou R$ 1,15 bilhão para linhas de crédito para compra de ônibus.

Piso nacional dos professores O piso de R$ 950 foi sancionado no ano passado. O Ministério da Educação vai repassar R$ 5 bilhões aos estados por meio do Fundeb. Parte vai para a folha de pagamento.

Assistência financeira Programa de assistência suplementar para manutenção das redes estaduais e municipais. Ministério da Educação separou R$ 930 milhões para essa rubrica.