Título: Mais poderosa que uma heroína de mangá
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 16/10/2010, O Mundo, p. 45

Ousadia e eloquência da ministra da Revitalização desafiam conservadorismo político do Japão

A MINISTRA Renho conversa com a imprensa estrangeira: assertiva e combativa, apesar do celular com pedrinhas brilhantes

TÓQUIO. Ela usa terninho branco, o que, convenhamos, engorda qualquer mortal, mas em seu corpo magrinho fica ótimo, e os cabelos são bem curtos, modernos para o ambiente comportado em que vive, dominado por coques e cortes Chanel. Renho ¿ ela só usa o primeiro nome e não adotou o sobrenome do marido, outra transgressão numa sociedade tradicional ¿ ocupa um cargo com um título estranho, Ministério da Revitalização, e é um fenômeno político no Japão. A beleza da ministra, de 42 anos, é inegável, mas está longe de ser seu atributo mais comentado. A missão de Renho, num país em que mulheres em cargos públicos ainda são cena rara, é impedir gastos desnecessários com o dinheiro do contribuinte e reduzindo o poder dos burocratas ¿ homens que não foram eleitos pelas urnas, mas controlam a máquina administrativa. Coisa para macho.

Reeleita deputada em julho, com número recorde de votos em Tóquio, Renho vem sendo apontada como o maior símbolo de renovação da classe política japonesa, na qual predominam nomes masculinos e cabeças grisalhas de dinastias ligadas ao governo há gerações. Ex-modelo e ex-âncora de TV, a ministra escolhida pelo premier Naoto Kan é de origem taiwanesa por parte de pai e só adotou a cidadania japonesa quando adulta. Tampouco se comporta como a média das japonesas: ela tem um jeito direto e seguro de dizer o que pensa.

Todos esses diferenciais poderiam ser a receita para a discriminação, mas acabaram favorecendo Renho, que já foi comparada a Hillary Clinton, ganhou o apelido de ¿a matadora¿ e fez a imprensa asiática se referir a ela como uma ¿guarda do Exército Vermelho¿, pelo seu jeito furioso de colocar oponentes contra a parede.

¿ Por favor, olhem para mim e digam se realmente tenho cara de quem mata alguém ¿ brincou ela, em encontro com jornalistas em Tóquio.

A figura chique de Renho, mãe de gêmeos adolescentes, lhe rendeu um editorial de quatro páginas na última edição japonesa da ¿Vogue¿ e realmente não leva ninguém a pensar em assassinato. Mas a parlamentar, formada em Direito e casada com um jornalista, ficou famosa por sua performance ¿ esta sim quase sanguinária para os padrões cerimoniosos dos japoneses ¿ nos debates sobre o Orçamento do governo, no ano passado. As sessões no Parlamento foram transmitidas pela TV, e ela não escondeu sua irritação ao vivo, quando não conseguia respostas claras para suas perguntas sobre o porquê do investimento em certos projetos. Uma de suas frases ficou famosa e provocou controvérsia. Durante as discussões sobre a aprovação de verbas para a construção de um supercomputador, o que colocaria o Japão à frente dos EUA em determinados campos de pesquisa, disparou: ¿O que há de errado em sermos o número dois?¿.

O confronto levou o ex-ministro do Comércio, Takeo Hiranuma, do conservador Partido Liberal Democrata (PLD), a questionar o patriotismo de Renho, lembrando que ela não era ¿de origem japonesa¿. A declaração foi considerada xenófoba e a deputada acabou ganhando mais fãs, mas ela ainda tem seus detratores. Analistas costumam elogiar seu carisma, mas afirmam que ela ainda tem muito a aprender como membro do Executivo, em áreas, por exemplo, como finanças. De qualquer maneira, sua presença num governo que sofreu uma derrota nas últimas eleições parlamentares, perdendo a maioria no Senado, é um reforço para Kan. No Twitter, instrumento ainda não muito usado pelos políticos japoneses, mas parte do dia a dia de Renho, ela tem mais de 135 mil seguidores.

¿ Minha missão não é aumentar a popularidade do governo, mas garantir a transparência sobre os gastos públicos ¿ afirmou ela, que se considera totalmente japonesa, mas diz ter orgulho de seu sangue taiwanês, e que também corta qualquer conversa sobre velhas campanhas publicitárias suas de maiô, dizendo não ver nada demais nisso.

Uma prova indiscutível de sua nacionalidade é o celular da ministra, que aparece nas páginas da ¿Vogue¿: cheio de coraçõezinhos cor de rosa e pedrinhas brilhantes. Em nenhum lugar do mundo, as mulheres ¿ de adolescentes a senhoras ¿ carregam celulares tão cintilantes quanto aos das japonesas.