Título: A água que não mata a sede
Autor: Fabrini, Fábio; Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 16/10/2010, O País, p. 13

Projeto de irrigação atrasado não livra famílias de abastecimento por carro-pipa

Isabela Martin

RUSSAS (CE). A seis meses do prazo previsto para a conclusão, e restando 1.300 hectares por desapropriar, a segunda etapa do projeto de irrigação Tabuleiros de Russas, do Dnocs, tem mais problemas do que apenas o atraso da entrega. A obra, na mira do Tribunal de Contas da União por superfaturamento, foi iniciada há dois anos.

A primeira etapa do projeto, de 10,8 mil hectares, e com quase o dobro de lotes da segunda, 13 anos depois de iniciada, tem apenas 3 mil hectares cultivados. Para evitar pagar taxas, parte dos pequenos produtores, maioria dos proprietários, não passou a escritura dos terrenos para seu nome, e não tem como dar a bancos garantia para uma linha da produção.

Na segunda etapa, o canal principal está com 79% dos 16 mil quilômetros prontos. Há cerca de duas semanas, as primeiras águas do açude Castanhão foram despejadas no rio artificial. As redes de distribuição para os lotes estão prontas. Mas faltam obras de drenagem e uma parte da eletrificação da área, além de sistemas de redistribuição interna nos lotes.

Mesmo aonde a água já chega, no entanto, o carro-pipa, que abastece 60 municípios do sertão cearense, é imprescindível. Ele fornece água potável a pelo menos 58 famílias na localidade de Lagoa da Várzea, a 300 metros da primeira etapa do canal de irrigação.

A água do canal é imprópria para o consumo humano. A parte que é captada de lá, e tratada antes de chegar ao chafariz público da comunidade, só serve para higiene pessoal e lavar roupa.

A cada oito dias, um caminhão-pipa abastece uma cisterna próxima à moradia da dona de casa Marinês Santos, de 41 anos. O pequeno reservatório atende as famílias próximas, mas a água só serve para cozinhar. Para beber, o marido, o agricultor José Antônio, de 51 anos, vai se abastecer em um poço com dessalinizador, que fica a cerca de um quilômetro de casa.

- A gente vai um dia sim, outro não. E cada família só pode pegar 80 litros por vez - conta Marinês.

Antevendo a seca, José Antônio nem plantou este ano e ficou sem a mandioca e o feijão para dar de comer à mulher, a duas filhas e uma neta. Vive de cercar lotes do projeto de irrigação - ganha R$1 por metro - e dos R$140 do Bolsa Família.