Título: Em PE, água vira negócio e sustenta famílias
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 16/10/2010, O País, p. 14

Dos 184 municípios de PE, 133 já sofrem os efeitos da estiagem

TRANS-JUMENTO Heleno Monteiro (de jeans) já enfrentou mais de dez secas e ainda recorre ao jumento em busca de água: ¿Mas antes era pior". O filho João tem Bolsa Família

LATA D¿ÁGUA: O lavrador Luis Sebastião fatura R$900 vendendo água

FRENTE DE EMERGÊNCIA: Ademir José de Oliveira sobreviveu com R$15 mensais na estiagem de 1998 e 1999

SERTÂNIA E AFOGADOS DA INGAZEIRA (PE). Com dois jumentos e ¿tambores¿ de armazenar água, o agricultor Heleno Monteiro de Andrade, de 60 anos, o filho João Batista Monteiro, de 26, e o neto Gabriel, de 4, aproveitam o último dia do mês no qual a água aparece no chafariz público de Sertânia, a 275 quilômetros de Recife. Como eles, muita gente na região depende do chafariz da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) ou mesmo do carro-pipa, presença obrigatória na caatinga nordestina.

No sítio Queimada Grande, em Afogados da Ingazeira, pelo menos 32 famílias têm na distribuição de água potável em lombo de jumento sua principal fonte de renda. É o caso de Luiz Sebastião Alves, 36, que vende ¿tambores¿ de água. A lata de 18 litros custa R$1. Ele se abastece em uma mina em fazenda próxima ao sítio, cujo dono dá acesso gratuito aos moradores da localidade. Como ele, são 32 carroceiros vivendo do negócio. Sebastião fatura R$30 por dia:

¿ Dá mais dinheiro do que a roça ¿ afirma.

Dos 184 municípios pernambucanos, 133 já estão sofrendo os efeitos da estiagem, que atinge 250 mil famílias, cerca de 1 milhão de pessoas. Destes, 56 ficam no sertão e a parte restante na região agreste. A informação é do secretário de Agricultura do estado, Ranilson Ramos, que essa semana esteve em Brasília para pedir recursos em caráter de emergência ao Ministério da Integração Nacional, a fim de trabalhar na perfuração ou recuperação de mil poços artesianos na região semi-árida.

¿ Mananciais como pequenos açudes e barreiros encontram-se em processo de esgotamento e a má qualidade da água já não a recomenda para o consumo ¿ afirma Ramos.

Na caatinga, moradores se abastecem em pequenos reservatórios e disputam o líquido com bois, vacas, porcos e cabritos. A água, que já não é limpa, piora na mesma proporção que se reduz o seu nível nos pequenos açudes e poços. A população se desloca para áreas mais distantes em busca de água.

Em Afogados de Ingazeira, a seca já é considerada como a maior da década. O governo do estado solicitou reforço de R$20 milhões para abrir os poços, e o objetivo é que em 60 dias já estejam funcionando. As perdas agrícolas chegam a 90%, principalmente na agricultura familiar.

¿ Em muitos municípios, o prejuízo foi total. Por esse motivo, o seguro Garantia Safra já foi liberado para 54 municípios, com 94 mil contratos. Até o momento, foram liberados R$44 milhões, mas essa quantia vai aumentar, porque os outros que aderiram ao seguro também vão receber ¿ disse o secretário.

No momento circulam 163 caminhões tanque em 50 municípios situados nas regiões do agreste e do sertão, segundo o Departamento de Estudos Prospectivos do Instituto Agronômico de Pernambuco.

Além da falta de água, há outros problemas. A situação dos sertanejos que não se organizam socialmente ou não aderem a programas sociais ainda é difícil. Caso de Maria José Pereira (63) e de Sebastião Pereira da Silva (59). Vivendo isolados, eles só não têm situação pior porque a mulher já conseguiu sua aposentadoria rural.

¿ Mas a coisa não tá muito boa não. Moro em uma tapera (casa) caindo, vou morrer sem realizar meu sonho de ter uma casinha. Fiz empréstimo no banco e só estou conseguindo tirar R$365 da aposentadoria. A lavoura secou, a água do açude está ruim e a única coisa que a gente tem é a burrinha Daiana ¿ reclamava ela.

Programas reduzem perdas

No entanto, apesar do sofrimento trazido pela seca, alguns programas sociais conseguiram reduzir as perdas dos sertanejos. Aos 43 anos, o lavrador Ademir José de Oliveira sobreviveu com R$15 mensais na estiagem de 1998 e 1999, pagos pela frente de emergência aberta pelo governo federal. Depois de passar fome e sede, viu a chuva voltar mas não tinha dinheiro para plantar. Mas aprendeu a cultivar cajueiros, reuniu a comunidade, criou uma associação e conseguiu financiamento para implantação de uma minifábrica de processamento de castanha de caju. Agora 21 pessoas da comunidade trabalham na pequena agroindústria. Ademir pode até não ter ficado rico. Mas viu sua renda mensal subir para R$500.

No sítio Umbuzeiro, onde reside, a luz elétrica chegou há seis anos, período em que comprou uma televisão a cores, uma antena parabólica e um rádio.

¿ A situação hoje é muito diferente. Pouca gente acreditava que nosso negócio ia dar certo, porque todo munda achava que a tradição do sertanejo era sofrer mesmo ¿ comenta Ademir.

Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Afogados de Ingazeira, Maria das Dores Santos Siqueira diz que no município, as perdas são de 100% entre os plantadores de milho e feijão. Reclama do sol inclemente, mas ressalta:

¿ Toda seca é calamidade. Não tenho como negar que a situação de hoje ainda é ruim, mas é muito melhor do que no passado.

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