Título: A crise liberou os maus espíritos
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 16/10/2010, Economia, p. 39

Franco diz que socorrer a economia levou a um descontrole fiscal

SÃO PAULO. Crítico da falta de debate sobre os problemas econômicos brasileiros nas campanhas dos presidenciáveis na reta do segundo turno, Gustavo Franco acredita que o atual governo perdeu o controle fiscal.

Na sua opinião, os candidatos têm dado aos problemas econômicos do país a devida importância?

GUSTAVO FRANCO: Não, os candidatos não têm discutido nada sobre a economia, o que é preocupante, pois pouco se sabe sobre o que pensam de dilemas complexos na nossa economia e da economia global. O candidato Serra é do ramo, mas da candidata Dilma nem isso podemos dizer.

Nesse debate político, o quanto de ironia há no fato de o candidato tucano, José Serra, defender uma política econômica mais intervencionista para reduzir juros e a candidata petista, Dilma Rousseff, querer manter os fundamentos da política econômica herdada do governo FH, com metas de inflação e BC independente?

FRANCO: Ironia nenhuma. Serra sabe que o caminho para reduzir os juros é arrumar a casa do ponto de vista da política fiscal. Portanto, é capaz de retomar a capacidade de formulação que havia no governo anterior. O governo atual não mexeu na política econômica pois não tinha nenhuma idéia melhor para mudar o que herdou. E continua sem ter. Porém, a fila anda, os desafios se renovam, e é preciso mostrar desembaraço, criatividade e capacidade de formulação. O governo Lula trabalhou bem durante a crise, fez o seu ¿Proer¿ no BC e no BNDES, salvou empresas e bancos, evitou maiores repercussões da crise, mas perdeu o passo, logo a seguir, na questão fiscal.

O senhor acredita que o aumento nos gastos públicos ¿ especialmente os gastos fixos, como reajustes de aposentados e funcionalismo público ¿ nos últimos anos tem um viés desestabilizador?

FRANCO: É claro que sim, esses e outros aumentos de despesa são totalmente inconsistentes com o equilíbrio de longo prazo da economia. A crise acabou servindo como pretexto para liberar ¿maus espíritos¿ que estavam reprimidos há tempos e, com isso, as metas de superávit primário foram trituradas, seja pelo aumento de despesa, seja pela manipulação contábil. Para culminar o processo, em 2010, receitas semelhantes às de privatização (que são os pagamentos à Petrobras pela cessão onerosa do petróleo do pré-sal) vão entrar ¿em cima da linha¿, como se fossem receitas tributárias. Isso é um absurdo contábil, sem falar que o BNDES tomou recursos do Tesouro para financiar a Petrobras. Em outros tempos isso dava uma CPI...

Como o senhor vê a tentativa do PT de demonizar o ¿governo liberal de Fernando Henrique¿?

FRANCO: Acho patético, mas é coisa de campanha. Não vejo o ex-ministro Palocci, nem outras pessoas desse naipe, no governo, dizendo essas coisas. Isso vem do pessoal do caminhão de som, que não diz coisa com coisa mesmo.

O senhor acha que o governo FH investiu o suficiente em programas de redistribuição de renda? Esses programas ¿ parte dos esforços de governos no combate à pobreza ¿ ganharam relevância na cartilha de organismos internacionais como FMI e Bird nos últimos anos. É tarefa da equipe econômica de um governo pensar nisso?

FRANCO: Claro que sim. O governo FH começou muitos dos programas que depois ficaram consagrados como realizações do governo Lula. A questão da paternidade aí é menos importante que o fato de os progressos terem sido cumulativos, o governo Lula ampliando e melhorando o que encontrou. O espaço fiscal que o governo Lula teve para programas sociais foi bem maior do que o que havia para o governo FHC, que teve sua agenda congestionada com a consolidação da estabilização, o ajuste fiscal, bancário e as crises externas.

Há quem diga que tanto Serra quanto Dilma possuem agendas econômicas, no fundo, muito semelhantes. O senhor concorda com isso? Por quê?

FRANCO: Não creio. Os candidatos têm pontos de vista convergentes sobre muitas coisas na economia, como efetivamente vimos nos últimos anos. Mas não vamos ter ilusões. Há indícios de que a candidata Dilma está mais próxima do que foi feito no último ano do governo Lula do que nos sete anos anteriores. Mas são apenas indícios, e preocupantes. (Gilberto Scofield Jr.)