Título: União posta à prova na superfície
Autor:
Fonte: O Globo, 18/10/2010, O Mundo, p. 31

Mineiros retornam ao Acampamento Esperanza para ato ecumênico sob protesto de colegas

UM DOS mineiros resgatados, Omar Reygadas (no centro) grita ao chegar à mina San José: protesto de outros funcionários ofuscou emoção do retorno ao local do acidente

POLÍCIA ESCOLTA o mineiro Carlos Barrios: cerimônia ecumênica restrita

COPIAPÓ, Chile

Menos de uma semana depois do resgate cinematográfico que colocou o planeta de olhos grudados em cada movimento da mina San José, no Deserto do Atacama, 13 dos 33 mineiros retornaram ontem ao local onde passaram 70 dias sob a terra para um ato ecumênico. Aparentando estarem alegres e relaxados, os homens se depararam com os primeiros transtornos da exposição pública: apesar do pacto de silêncio sobre os dias de confinamento, alguns deixaram escapar indícios de que o grupo não está tão coeso quanto demonstrava. E, além do assédio midiático e de propostas financeiras mirabolantes, outro desafio: a pressão de colegas de trabalho, que os receberam com um barulhento protesto contra a San Estéban ¿ empresa dona da mina San José.

A celebração ¿ reservada às famílias ¿ começou com uma missa católica celebrada pelo Arcebispo de Valparaíso, Gonzalo Duarte, e foi seguida por uma cerimônia adventista na qual todos os 13 presentes agradeceram por estarem vivos. A emoção, no entanto, foi sufocada por gritos de protesto de cerca de 300 funcionários da mina, que aproveitavam a atenção da imprensa para cobrar da mineradora San Estéban ¿ à beira da falência ¿ o pagamento dos salários dos últimos 70 dias, além do chamado ¿finiquito¿, uma espécie de fundo de garantia. Levando cartazes que diziam ¿Não somos 33, somos 300¿ e ¿Somos o outro lado da moeda¿, os manifestantes foram impedidos de se aproximarem. Outros, magoados, queixaram-se de não poder ver os colegas famosos.

¿ Agora que é o grande reencontro, faltaram-nos com o respeito não nos deixando passar. Atropelaram nossa dignidade ¿ reclamou o sindicalista Javier Castillo.

Contradições sobre liderança e silêncio

De acordo com o jornal ¿La Tercera¿, parentes desses trabalhadores pretendem permanecer no local até que recebam o que lhes é de direito ¿ transformando-o no Acampamento Esperanza II. Tentando demonstrar sensibilidade, Mario Gómez, Jimmy Sánchez, Omar Reygadas e o boliviano Carlos Mamani foram ao encontro dos manifestantes para dar-lhes apoio.

¿ Pedimos que apoiem nossos companheiros, porque eles também têm direitos. Peço que os empresários paguem seus salários, eles também têm famílias e precisam comer ¿ disse Reygadas, assumindo o papel de porta-voz do grupo.

A organização que tem caracterizado os 33 mineiros mesmo após o resgate, no entanto, dá os primeiros sinais de desgaste. Especula-se que haja rivalidades entre operários contratados pela mineradora San Estéban e outros, terceirizados. Até o pacto de silêncio anunciado para que os mineiros pudessem contar sua história num livro, a ser escrito por todos ¿ e cujos lucros seriam divididos igualmente por todos ¿ foi posto em xeque. Enquanto vários deles, como Jimmy Sánchez, garantem que a iniciativa fora proposta por Juán Illanes ainda sob a terra, a história foi desmentida ontem por Omar Reygadas ¿ deflagrando uma guerra de contradições que promete incendiar, ainda mais, a imprensa chilena e internacional.

¿ Não há nada o que esconder. O acordo é apenas que o que dissermos será dito em grupo. Oxalá fosse num livro para que todos saibam o que aconteceu ¿ afirmou.

Outra versão duvidosa ¿ e que aponta possíveis rachas entre os 33 ¿ é sobre o papel de liderança durante os 70 dias da mina. Até agora, o chefe de turno, Luis Urzúa, último a ser resgatado, tem recebido os créditos pela organização dos dias sob a terra. Ontem, no entanto, Yonni Barrios declarou, numa rápida entrevista ao diário ¿El Mercurio¿, que o verdadeiro líder foi o extrovertido Mario Sepúlveda.

¿ Não me parece certo que ele (Urzúa) tenha sido líder, porque não foi. No momento do acidente, era chefe de turno, mas depois, perdeu o controle. Não se sentiu capacitado. Nos momentos mais críticos, não esteve conosco ¿ disparou Barrios, fazendo aumentar o suspense.