Título: Uma matriz elétrica sustentável
Autor: Pereira, Osvaldo Soliano
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2009, Opinião, p. 15

Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, professor da Universidade de Salvador e diretor do Centro Brasileiro de Energia e Mudança do Clima

Em 2002, com a sanção da Lei nº 10.438, foi outorgado ao país o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), garantindo que uma parcela do crescimento da demanda de energia elétrica seria atendida com fontes novas e renováveis. Havia metas anuais e de longo prazo. Claro que alguns ajustes seriam desejáveis em relação à versão original da lei, como aqueles que introduziam a imposição de 50% de índice de nacionalização de cada planta, o que afetaria mais diretamente a energia eólica, ainda inexistente no Brasil, e o critério de desempate baseado na mais antiga licença ambiental.

Embora modificada por duas leis subsequentes, essas falhas não foram corrigidas. Ao contrário, introduziu-se mais uma distorção: a pulverização do programa pelo país sem otimizar a busca dos sítios mais promissores. Foi realizado o primeiro leilão, mas não se deu sinal de que as metas anuais seriam cumpridas e, logicamente, ficou difícil atingir o índice de nacionalização previsto, dificultando a implantação da primeira fase, o que dava mais combustível para não se iniciar a segunda fase. Paulatinamente foram se solucionando os problemas, mas até hoje o programa não foi integralmente implementado, embora, com pequenos ajustes, estivesse alinhado com o que vem sendo feito com sucesso em vários países desenvolvidos e emergentes, inclusive China e Índia.

Com o modelo do setor elétrico implantado em 2004, baseado no tripé estabilidade regulatória, segurança energética e modicidade tarifária, abriu-se mão da conquista que contemplava duas grandes externalidades: contribuir para a manutenção de uma matriz limpa e com reduzido impacto ambiental e abrir oportunidades para o desenvolvimento tecnológico nacional. O modelo, além de vir lutando para garantir a segurança energética a qualquer custo econômico e ambiental, não tem conseguido garantir a modicidade tarifária, como mostraram os reajustes do setor elétrico recentemente anunciados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Sabe-se hoje que o impacto tarifário teria sido menor se os leilões já realizados tivessem optado por um pouco mais de fontes limpas com baixíssimos custos operacionais, em vez de dar preferência aos baixos custos de investimentos e elevados custos operacionais de algumas termelétricas.

Os cenários futuros também não são promissores quando se analisa o Plano Decenal de Energia Elétrica, que sinaliza para o ano de 2017 mais geração de energia elétrica com óleo diesel do que com energia eólica. Caso se efetivem as previsões desse plano, em 2017 o Brasil terá menos geração eólica do que a Índia tem hoje. Também o cenário ainda vigente para 2030 sinaliza uma maior participação de óleo do que das novas fontes renováveis.

Para 2009 está previsto um leilão de compra de energia eólica. Espera-se que seja um leilão significativo ¿ não um piloto, como se tem mencionado. Considerando os avanços recentes da tecnologia, que o último leilão de eólica aconteceu há quase cinco anos, e a constatação de que o potencial do país é gigantesco, dever-se-ia pensar num leilão de grande porte, acompanhado de um programa que sinalizasse aquisições periódicas, para fazer crescer o parque produtivo nacional e baratear os preços finais da energia.

Hoje não restam dúvidas de que o potencial nacional da energia eólica é algumas vezes maior que o potencial da energia hidrelétrica. E é um potencial crescente, pois com a perspectiva das mudanças climáticas, o regime de ventos será modificado, fazendo crescer o potencial eólico. Pode-se começar a pensar num potencial numa faixa de algumas centenas de GW, que ainda precisa ser melhor inventariado, para permitir ¿ assim como se faz com o recurso hidráulico ¿ planejar cenários futuros de oferta baseados em análises estocásticas, com séries históricas e sintéticas, avaliando a complementaridade entre regiões e entre os recursos disponíveis e os reservatórios existentes.

Faz cada vez mais sentido planejar o setor energético, não deixando apenas ao sabor do mercado o resultado dos leilões, como vem acontecendo nos últimos cinco anos. Só dessa forma será possível atingir uma matriz elétrica nacional sustentável, em que a hidroeletricidade continuaria tendo papel preponderante, com penetração crescente da energia eólica, que pode alcançar índice de participação superior a 30%, ao lado de uma complementação térmica baseada não em carvão e óleo, mas em gás natural. Nessa transição, ações agressivas para aumentar a eficiência poderão reduzir a demanda entre 10% e 20% do atualmente requerido.