Título: À espera da Lei da Ficha Limpa
Autor:
Fonte: O Globo, 15/10/2010, Opinião, p. 6

A realização do segundo turno e as incertezas que passaram a cercar o resultado das urnas do dia 31 colocaram em segundo plano assuntos importantes da vida política. Compreensível, mas vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve à sociedade a crucial definição sobre se a Lei da Ficha Limpa produz efeitos já agora - como entende o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - ou apenas nas próximas eleições, municipais, em 2012.

Com o empate em cinco votos dos 10 ministros em atuação na Corte - falta o preenchimento, por indicação presidencial ao Senado, do 11º magistrado do tribunal -, no processo de Joaquim Roriz, extinto, espera-se que seja julgado o mais rapidamente possível o recurso seguinte contra a Ficha Limpa, de Jader Barbalho, para que o impasse possa acabar. De preferência com a reafirmação da posição do TSE. A situação é frustrante, depois da demonstração dada pela sociedade de como é possível se mobilizar a favor de boas causas, dentro das regras estabelecidas pela Constituição, sem qualquer arroubo autoritário e pressão indevida sobre as instituições. Em cerca de um ano, bem mais de um milhão de assinaturas de eleitores foram colhidas em apoio ao projeto de origem popular do qual saiu a Ficha Limpa, marco no processo de conscientização política da população diante da necessidade de ser feita uma faxina ética na vida pública.

Pelo menos, a Ficha Limpa já teve sua constitucionalidade referendada. E, enquanto pairam questões jurídicas sobre o calendário de entrada em vigor da lei, a realidade continua a gerar informações objetivas preocupantes sobre o perfil ético da representação política do país. Levantamento da ONG Congresso em Foco, por exemplo, revela que dos 320 congressistas reeleitos, entre deputados e senadores, 76 - ou aproximadamente um em cada quatro - respondem a processo no Supremo Tribunal. Ao todo são 167 pendências judiciais envolvendo 71 deputados e cinco senadores. Há muitos crimes eleitorais, peculato (corrupção, roubo cometido por funcionário público), sonegação de impostos, formação de quadrilha, crimes contra as finanças públicas, etc.

Poucos dias atrás, o STF condenou o primeiro político: a sete anos, em regime semiaberto, o deputado federal José Fuscaldi Cesílio (PTB/GO), por apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária. Mas há sempre uma alternativa de fuga para o político antes do julgamento: renunciar ao mandato e, assim, perder o foro privilegiado e fazer o processo cair para a Justiça comum. As informações do Congresso em Foco servem para reafirmar a urgência de uma definição do STF sobre a Lei da Ficha Limpa - e que seja pela sua aplicação imediata. A alta proporção de políticos processados entre os eleitos indica como a vida pública se tornou um refúgio de donos de prontuários policiais e processos variados.

Por tudo isso, a posição mais adequada à realidade brasileira é defender a entrada em vigor imediata dos novos critérios de enquadramento dos candidatos a cargos eletivos. Com isso concordam a maioria da mais alta Corte da Justiça Eleitoral e metade do atual plenário do Supremo. Os dados do Congresso em Foco lhes dão razão.