Título: Lula fala em Deus e vingança no Piauí
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 15/10/2010, O País, p. 12

Em eventos do governo, presidente se "vinga" de quem derrubou a CPMF e faz discurso político em defesa de Dilma

TERESINA. Em um discurso em que citou o nome de Deus três vezes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ter visto interferência divina na opção dos eleitores piauenses, que não reelegeram para o Senado os "responsáveis" por uma de suas maiores derrotas nos oito anos de governo: a rejeição à prorrogação da CPMF, em 2007.

Lula fez o discurso durante "cerimônia três em um", como descreveu: a assinatura da ordem de serviço para a construção das rodovias BR-020 e BR-235 e a inauguração da ampliação do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Piauí.

- Quero agradecer aqui, de coração, sem falar de política, porque vocês não votaram em duas pessoas deste estado que prejudicaram, tirando R$120 bilhões da Saúde. Tiraram R$120 bilhões da Saúde pensando que iam me prejudicar; não prejudicaram, prejudicaram o povo pobre deste país, que precisa do SUS, do pronto-socorro, quando derrubaram a CPMF. Como Deus escreve certo por linhas tortas, Deus fez a vingança que acho que era necessária. Colocar gente mais digna, de mais respeito, para representar com mais dignidade o Piauí - disse Lula, que fez um rápido sinal da cruz.

Os senadores Heráclito Fortes (DEM) e Mão Santa (PSC) foram derrotados nas urnas.

Lula lembrou que faltam 77 dias para deixar o cargo. E afirmou que o eleitor não quer "voltar ao passado".

- Eu saio, mas não quero apenas passar o bastão para uma pessoa que vai me substituir. O bastão tem que ficar nas mãos dos verdadeiros donos deste país, que é o povo brasileiro. Que é o povo que não quer voltar a um passado de desesperança, de desemprego e de descaso com os pequenos agricultores. A um passado de descaso com a cultura deste país. Nós cansamos e não queremos mais ser tratados como vira-latas.

Apesar de falar indiretamente do momento eleitoral, o presidente demonstrou desconforto com a insistência de militantes em gritarem o nome de Dilma e do PT no evento oficial:

- Isto é um ato oficial. Portanto, baixem o fogo e parem de gritar.

Lula voltou a dizer que foi alvo de boatos nas eleições que disputou. E disse que, por ser barbudo, era confundido com comunista:

- Eu era candidato para ajudar os mais pobres e era exatamente nesse segmento da sociedade que as pessoas tinham medo de mim. Porque se contou muita mentira a meu respeito. Eu tinha barba e por isso eu era comunista. E os mentirosos que diziam isso não tinham coragem de dizer que Jesus Cristo tinha barba comprida. Que Tiradentes também tinha barba comprida.

Para o presidente, os boatos são como cascas de banana "dos que são contra":

- Quantas vezes eu paguei o preço de a bandeira do meu partido ser vermelha. Quantas vezes eu tive que explicar por que tinha estrela na bandeira do PT. Depois, a quantidade de vezes que tinha que responder sobre aborto e sobre coisas que não eram responsabilidade de um presidente. Mas as pessoas que são contra ficam jogando casca de banana, para ver se a gente pisa e se a gente cai. Diziam que eu ia fechar igreja evangélica, que ia tirar tudo das pessoas mais pobres. Foram 12 anos de espera. É por isso que digo que Deus... quanto preconceito eu tinha por não ter diploma.

Em linha semelhante ao tom que vem adotando nos discursos nos palanques de campanha de Dilma Rousseff (PT), Lula fez analogia entre o governo e a maternidade, ao dizer que "compromisso" e "sentimento" são mais importantes que o diploma. Se não, disse Lula, "a gente colocava só reitor para governar "ou "ia na Academia Brasileira de Letras e pegava presidente":

- O melhor exemplo que dou para a arte de governar é a arte de ser mãe. Governar não é nada mais do que agir como uma mãe age tomando conta de uma família, garantindo a todos o direito de ter oportunidades. Aliás, a palavra "governar" está errada. Não sei quem foi o filósofo que inventou a palavra "governar". Na verdade, em vez de "governar", deveria ser "cuidar".

Lula voltou a dizer que o nordestino "aprendeu a ter autoestima, e agora está viajando pela Europa e pelo mundo" . E que "rico não precisa de governo":

- Quem precisa é a parte mais pobre da população. É aquela sem acesso à cultura. Porque neste país teve presidente que ficou oito anos e não construiu uma única universidade. Embora tivesse mestrado, doutorado, no Brasil e exterior.

Lula visitou as instalações do hospital universitário da Universidade Federal do Piauí, que recebeu R$52 milhões do governo federal. No hotel, mais cedo, comentou as últimas pesquisas:

- Estão dentro da normalidade. É exatamente o mesmo resultado de 2002 e de 2006.