Título: Briga de gigantes nos calçados
Autor: Rodrigues, Lino; Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 16/10/2010, Economia, p. 27

Marcas esportivas globais pedem fim de taxa a importados chineses e incentivo para produção local

As barreiras comerciais impostas para frear a importação maciça de calçados chineses provocaram um racha entre os produtores no Brasil. Nove grandes fabricantes mundiais de material esportivo anunciaram ontem a criação do Movimento Para Livre Escolha (Move), para pedir o fim da tarifa extra, hoje de US$13,85 por par, que vigora desde setembro do ano passado e vale para qualquer tipo de calçado. A iniciativa - que junta Adidas, Nike, Puma, Reebok, Alpargatas, Asics, Cambuci, New Balance e Skechers - se contrapõe à posição da Abicalçados, associação que reúne sete mil fabricantes brasileiros. Foi da associação a proposta para que o governo fixasse limites a importações da China.

Como apenas Alpargatas e Cambuci (dona da marca Penalti) têm produção própria no país (as outras têm parte da fabricação terceirizada), o Move quer que o governo federal desenvolva uma política industrial para os chamados calçados de alta performance - usados, por exemplo, na prática de esportes. Como contrapartida, prometem investir na produção no Brasil.

- Queremos contribuir para a modernização da indústria de calçados esportivos no Brasil e para que o país tenha um parque industrial sustentável e com capacidade de exportar produtos de alta tecnologia - disse o secretário-executivo do Move, Gumercindo Moraes Neto, que já passou por Alpargatas e Azaleia.

"Made in" China, mas comprado do Vietnã

No início do mês, Moraes Neto teve uma primeira conversa com representantes da Casa Civil e do Ministério de Desenvolvimento. A proposta colocada na mesa é que o governo repita o que foi feito com a indústria automobilística, com a adoção de incentivos fiscais e crédito facilitado. Em outro movimento, as empresas encomendaram à consultoria Deloitte um estudo sobre o setor, com previsão de investimento e geração de emprego com as novas fábricas, para ser entregue ao governo. Pelos dados de Moraes Neto, somente as nove empresas ligadas ao Move movimentaram R$4,2 bilhões em 2009 e pagaram R$800 milhões em impostos.

Para o presidente da Abicalçados, Milton Cardoso, toda essa movimentação do Move não passa de uma estratégia para desviar a atenção do governo em relação a investigações sobre a prática ilegal de usar terceiros países para burlar a barreira a produtos da China. Por essa estratégia de triangulação, as empresas declarariam trazer o produto chinês de países como Indonésia, Vietnã e Malásia.

- O assunto (a adoção de barreiras) está liquidado desde o ano passado. Essas marcas estão tentando confundir o governo sobre a prática de fraude fiscal - disse Cardoso, que também preside a Vulcabras.

Maior fabricante de calçados do país, a Vulcabras emprega 50 mil trabalhadores e tem como carro-chefe a marca Olympikus. Por essa razão, Cardoso diz considerar "natural" as acusações de que foi o maior beneficiado pela lei antidumping.

Cardoso contesta os argumentos do Move e afirma que é evidente a prática de triangulação. Ele acusa os exportadores da China de utilizarem três mecanismos para fraudar o sistema antidumping do Brasil: a falsificação de documentos de origem; a montagem de calçados em terceiros países a partir de componentes produzidos na China, sem a observação de conteúdo mínimo nacional; e a importação direta de calçados desmontados para serem finalizados no Brasil.

- Quando o governo implantou a alíquota, houve inúmeros pedidos de revisão, mas todos negados pelo Judiciário. O governo passou a investigar o setor por conta da triangulação, que, com medo, lançou agora esse movimento - afirmou Cardoso.

Moraes Neto, do Move, nega que as empresas estejam burlando a taxação utilizando a triangulação. Segundo ele, as empresas já pagam uma tarifa de 35% para trazer os produtos para o Brasil e a triangulação ainda não foi regulamentada no país. O Move está pedindo ao governo que investigue melhor os casos de irregularidade e utilize critérios técnicos para acusar as empresas.

- Queremos clareza nos processos de investigação e o direito de as empresas se defenderem - afirmou o executivo do Move.

Para o professor de economia internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ernesto Lozardo, a criação de barreiras foi a a única forma de o governo brasileiro manter a sobrevida da indústria calçadista nacional. Ele ressalta, no entanto, que medidas protecionistas desse tipo prejudicam o consumidor, que acaba pagando mais pelo produto importado. Ainda segundo Lozardo, o governo deveria criar uma política própria para o setor, com mais financiamento para a modernização constante do parque industrial.

- O Brasil ainda não está preparado para competir nesse setor.