Título: A falta de agenda política das candidaturas e o aborto
Autor: Simas, Marcelo
Fonte: O Globo, 19/10/2010, O País, p. 16

Na democracia ocidental, a oposição sempre promete melhoria em relação ao governo atual. Colhidos os primeiros frutos da estabilização econômica, a questão social tornou-se mais premente. Ao chegar ao poder, Lula assume os benefícios da estabilidade econômica. Sua imagem, historicamente ligada à questão social, leva à Presidência uma nova pauta: é hora de ¿dividir o bolo¿...

O Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo impactam significativamente os níveis de pobreza e desigualdade do país. O mercado brasileiro torna-se cada vez mais atraente e, a cada ano, temos recordes de investimentos estrangeiros e arrecadação fiscal. A partir de 2006, mais significativamente em 2010, chega a hora de a oposição tentar se apropriar, em seu discurso, dos benefícios da reparação social.

O resultado do amadurecimento político e econômico brasileiro é que as forças políticas relevantes à direita e à esquerda no espectro político compartilham uma visão básica do Estado: equilibrado, garantidor da economia, capitalista, e que ao mesmo tempo conta com mecanismos de reparação social. Quem na elite política defende a volta da inflação ou o fim do Bolsa Família?

Isto é bom para a democracia. Países com alto grau de polarização apresentam maior chance de colapso político. Democracias estáveis costumam apresentar consenso sobre aspectos fundamentais da vida social e econômica. É sobre este consenso que se constroem negociações.

Este é o cenário da eleição de 2010. O governo Lula, embalado por sua popularidade recorde, apresenta-se como ícone tanto da estabilidade econômica quanto da reparação social. A oposição pleiteia um lugar igual.

Não é verdade que não haja propostas nestas eleições. O problema é que elas são as mesmas. O governo propõe continuar com a fórmula estabilidade/reparação e a oposição propõe a mesma coisa. Para que, então, arriscar votar na oposição?

Neste cenário de propostas semelhantes, o eleitor volta-se para seus valores. É assim que nossa eleição está sendo decidida por questões como aborto, união civil homossexual, religião etc.

Economia estável é um primeiro passo, mas qual a política industrial brasileira? De que forma o Brasil vai garantir o controle de tecnologias necessárias para alcançar papel de destaque e vanguarda em termos de desenvolvimento? Sair da pobreza absoluta é extremamente meritório, mas o que fazer depois? Políticas de requalificação profissional podem garantir o fim da pobreza a médio prazo, assim como a educação. A segurança pública é um problema premente, mas ninguém tem um plano para combater o tráfico de drogas e o crime organizado.

O governo e, particularmente, a oposição têm que mudar de assunto. Chega de inflação e Bolsa Família. Qual o próximo passo?

MARCELO SIMAS é cientista político e pesquisador do CPDOC/FGV

¿ A opinião expressa nesta coluna é de responsabilidade de seus autores e não necessariamente a da FGV.