Título: Dialética torta
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2009, Política, p. 4

O debate localizado sobre aspectos específicos da legislação eleitoral traduz até certo ponto a discussão maior na sociedade brasileira sobre a necessária democracia na comunicação. Ela deve vir principalmente por meio do Estado ou da sociedade?

Por Alon alonfeuerwerker.df@diariosassociados.com.br

A Câmara dos Deputados deu ontem um primeiro passo para reverter o processo, já histórico, de burocratização das leis eleitorais, especialmente na propaganda. Escrevi aqui outro dia que uma dialética torta acabou produzindo na política brasileira, em nome da democracia, um sistema eleitoral bastante antidemocrático no aspecto da livre expressão.

Tevês e rádios estão na prática proibidos de praticar jornalismo no período das eleições. Qualquer pseudocandidato tem o direito de impedir a realização de um debate. E a internet vinha sendo até agora tratada como uma extensão dos canais eletrônicos tradicionais, que dependem de concessão pública.

Ao iniciar ontem a votação da reforma eleitoral, a Câmara não chegou a tocar em todos os aspectos problemáticos da lei. Mas, topicamente, atacou-se o elo mais fraco dela, onde a aberração era mais óbvia. No direito de uso da internet.

Se a tramitação concluir pelo caminho previsto, as pessoas físicas ficarão inteiramente liberadas para usar a rede antes das eleições. Os candidatos também, desde que não comprem espaço publicitário. Permanecerá porém a restrição aos sites comerciais, que deverão se enquadrar nas normas vigentes para os demais meios eletrônicos.

É complicado. Porque a presença na internet não é resultado de uma concessão. Se eu quero ter um canal de televisão tradicional, devo recorrer ao Estado. Mas se eu desejo abrir um canal no YouTube, basta acessar o site, cadastrar-me e alimentá-lo com os meus vídeos. Seja eu pessoa física ou jurídica. Um simples blogueiro ou uma grande empresa de comunicação. E qualquer um pode também contratar um serviço de distribuição de áudio e vídeo em tempo real pela rede. O limite é só monetário.

Se a limitação às empresas não cair durante as votações no Legislativo, será o caso de o Judiciário analisá-la. Aliás, um dos vetores da mudança eleitoral em análise no Congresso é neutralizar a amplitude de intervenção dos tribunais eleitorais. Mas a cada casuísmo abre-se uma avenida para que os juízes assumam a função de legisladores. Do jeito que a coisa vai, pouco mudará na ¿judicialização¿ das eleições.

O debate localizado sobre aspectos específicos da legislação traduz até certo ponto a discussão maior na sociedade brasileira sobre a necessária democracia na comunicação. Ela deve vir principalmente por meio do Estado ou da sociedade? Quais os limites de cada um? Como o Estado deve agir para que a desejada democratização não se converta em simples troca de guarda, ao sabor de quem comanda os controles estatais?

É um debate difícil, e costuma vir carregado de partidarismo. Mas absolutamente necessário. Para o meu gosto, caminharíamos rumo a um sistema com o máximo de abertura. Até porque é bem mais fácil corrigir as distorções trazidas pelo excesso de liberdade do que as produzidas pela falta dela.

Exemplos recentes mostram que as ditaduras, de toda cor, não convivem bem com as imensas possibilidades trazidas pela revolução nas comunicações digitais. Só isso já seria motivo para engrossar as fileiras dela.

De todo jeito, vem aí uma conferência nacional sobre o tema, convocada pelo governo federal exatamente para discutir essas coisas.