Título: Vantagens da lista suja
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2009, Política, p. 7

Técnicos alertam parlamentares para riscos de ignorar o ¿Anexo VI¿, um catálogo de obras em situação irregular

Liberação indevida de recursos para barragem no Rio Preto resultou na renúncia do deputado Pedro Passos (PMDB-DF)

A vontade do Congresso Nacional em tomar frente nas negociações para liberar obras embargadas por indícios de irregularidades graves pode se virar contra os próprios parlamentares. O alerta foi feito por técnicos da Comissão Mista de Orçamento (CMO). O colegiado é responsável por analisar as obras que constam no Anexo VI da Lei Orçamentária Anual (LOA), a lista suja dos empreendimentos que recebem dinheiro da União. Na avaliação dos técnicos, a peça protege os congressistas, pois impede execução de verbas a construções irregulares.

A intenção dos integrantes do colegiado é estipular agora, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que a CMO terá a prerrogativa de realizar audiências públicas, envolvendo órgãos e empreiteiras diretamente ligados a essas obras. A ideia é agilizar o saneamento das irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e retirar as obras do embargo.

Segundo os técnicos, a prova de fogo para o Anexo VI (1) foi a Operação Navalha da Polícia Federal (PF), deflagrada em 2007. A PF desmantelou um esquema de corrupção que envolvia a Gautama, uma das empreiteiras que mais celebrava contratos com a União. A operação resultou na renúncia do então distrital Pedro Passos (PMDB-DF), acusado de favorecer a empreiteira destinando recursos para a construção da barragem do Rio Preto. A obra estava na lista suja, não podia receber dinheiro da União.

Até hoje, pelo menos três obras que eram de responsabilidade da construtora continuam embargadas. Elas constam em levantamento solicitado pelo presidente da CMO, senador Almeida Lima (PMDB-SE), que elencou obras que estão no Anexo VI há mais de três anos. Em uma delas ¿ a construção do sistema adutor de Itapecuru (MA) ¿ as obras foram paralisadas em 2002, após auditoria do TCU apontar irregularidades no estudo de impacto ambiental e superfaturamento nos valores dos contratos. A reportagem procurou a Gautama para pedir informações sobre o contrato, mas o diretor de obras da empreiteira, Bolivar Saback ¿ preso durante a Operação Navalha ¿ disse que em 2003 a empresa sofreu uma cisão e que não tinha informações sobre esta obra.

Outra construtora que conta com obras listadas no Anexo VI da LOA há mais de três anos é a OAS. Recentemente, a empreiteira teve documentos apreendidos pela Polícia Federal em São Paulo, por conta de investigação feita pelo Ministério Público Federal, que apura desvio de R$ 30 milhões nas obras do Complexo Viário do Rio Baquirivu, em Guarulhos. A obra já havia sido alvo de auditorias do TCU.

A OAS conta com pelo menos uma obra embargada na lista suja do Orçamento. A que trata de projetos para prevenção de enchentes no Rio Poty, em Teresina (PI). O TCU constatou um aumento de 213% no valor do contrato inicial, reajuste muito acima do permitido pela lei de licitações, que é de 25%. Até o fechamento desta edição, a empreiteira não havia retornado o contato da reportagem.

1 INDÍCIOS DE FRAUDES O Anexo VI da Lei Orçamentária Anual passou a existir em 1998. Ele lista empreendimentos em que foram encontrados indícios de irregularidades graves, como falhas na documentação, fraudes em licitação e superfaturamento. As irregularidades são apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) após auditorias. De posse das informações entregues pelo TCU, a Comissão Mista de Orçamento analisa os empreendimentos e decide pela inclusão ou não no Anexo VI, a ¿lista suja¿ das obras públicas.

O parlamentar deve ser exposto mesmo. Suas deliberações precisam ser galgadas em opiniões legítimas. Ele não pode ser blindado, protegido pelo Anexo VI do Orçamento

Senador Almeida Lima (PMDB-SE), presidente da Comissão de Orçamento

LDO vai a votação com promessa de polêmicas

Para o presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador Almeida Lima (PMDB-SE), a justificativa de que a lista suja das obras irregulares protege os parlamentares é verdadeira, mas não é válida. ¿O parlamentar deve ser exposto mesmo. Suas deliberações precisam ser galgadas em opiniões legítimas. Ele não pode ser blindado, protegido pelo Anexo VI do Orçamento¿, sustentou.

Com as alterações previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias(LDO), que deve ser votada hoje, os parlamentares poderiam, após a realização de audiências públicas, entendendo que as irregularidades foram sanadas, liberar as obras de embargo a qualquer momento. ¿A inclusão ou a exclusão de obras no Anexo VI será feita às claras, diante dos olhos da sociedade. Essa é uma responsabilidade que o parlamentar possui e não pode se furtar¿, defendeu.

Além da ingerência sobre empreendimentos embargados, existem outros pontos polêmicos que prometem dividir opiniões na votação da LDO. O remanejamento de uma despesa de R$ 480 milhões em hospitais universitários ¿ hoje coberta pelo Ministério da Educação (MEC) ¿ para o Ministério da Saúde promete ser o maior empecilho para a aprovação da Lei na CMO. A Frente Parlamentar da Saúde, presidida pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) , é contra a medida. ¿É um dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) que será usado para outras coisas, como pagamento de professores. O governo está sangrando um orçamento já anêmico¿, criticou.

Outro item deve dividir opiniões entre os servidores do poder público. Dispositivo inserido na LDO pelos parlamentares prevê a publicação de informações sobre servidores efetivos e comissionados dos três poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário, além do Ministério Público da União. A intenção é disponibilizar dados sobre a natureza do servidor, sua lotação e o cargo que ocupa. O valor dos salários seria omitido.

Essa é uma medida que vem no esteio dos escândalos do Senado. Desde o início deste ano, uma série de denúncias revelaram extremo descontrole administrativo. As revelações deram conta de nomeações de parentes e afilhados políticos em órgãos da Casa, por meio de atos secretos. (DL)