Título: Sob os holofotes da campanha
Autor:
Fonte: O Globo, 21/10/2010, Opinião, p. 7

O sistema de saúde brasileiro vive uma situação de penúria por causa das nefastas políticas públicas executadas nos últimos anos pelas esferas federal, estadual e municipal. O caos, que impera há tantos anos, tem que ser revertido com uma ação imediata e urgente para evitar o colapso da assistência à população. Este, certamente, é um dos pontos altos das campanhas eleitorais que aparecem recheadas de promessas, projetos e denúncias que esquentam o debate político, mas não saem do papel tão logo se inicia o novo mandato. A Saúde, que sempre ganha os holofotes durante a propaganda eleitoral, deveria ser prioridade não para fins eleitoreiros, mas pela obrigação moral com a população.

É preciso que os governos invistam na melhoria do atendimento básico à população e na contratação de médicos com salários dignos, para que se consiga fixar equipes em todas as unidades de saúde. O Conselho Regional de Medicina do Rio tem realizado constantes vistorias em unidades de saúde e alertado o Ministério Público estadual e a população sobre as carências do atendimento. As vistorias revelam que as unidades permanecem superlotadas, não há leitos suficientes e faltam médicos em todas as especialidades. Mas não há carência de médicos especialistas no Rio de Janeiro. Na verdade, há ofertas de salários baixos, maquiados com gratificações, que não interessam aos médicos especialistas que têm melhores opções de remuneração no mercado de trabalho. Os vínculos precários e os concursos com ofertas de salários pouco atrativos também provocam a baixa adesão dos jovens médicos ao serviço público.

Público e notório, este descaso com as reivindicações dos médicos mostra como é contraditória a política de investimento em saúde no Brasil. Se os governantes investem na construção de Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), que raramente têm quadro de médicos completo e consomem milhões tanto para serem construídas quanto para serem equipadas, não há justificativa plausível para negar o reajuste de salário dos médicos. É, no mínimo, contraditório empregar tamanha verba em obras se não há investimento compatível em recursos humanos, o item fundamental para que essas unidades tenham utilidade pública.

É bem verdade que a criação das UPAs reduziu a demanda nas portas das emergências, mas, isolado na rede de saúde, este modelo já dá sinais de esgotamento. Não há unidades referenciadas para realizar o acompanhamento ambulatorial de pacientes crônicos e nem para os casos mais graves, que necessitam de internação, mas não encontram vagas nos hospitais. O resultado dessa discrepância é que o Rio tem a maior rede pública do país, mas não consegue atender dignamente a população.

Este é sim o ano das eleições, mas não é de retórica política que a população precisa no momento. É de médicos, de leitos e de medicamentos. Médicos estão submetidos a pressões e expostos à insegurança e aos problemas nos atendimentos por falta de insumos e de equipamentos. Tal omissão do poder público, que perdura governo após governo, é uma arbitrariedade contra os médicos e a população.

LUÍS FERNANDO MORAES é presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio.