Título: Reforma passa na França
Autor: Müzell, Lúcia
Fonte: O Globo, 23/10/2010, Economia, p. 27

Protestos ficam mais brandos e Senado eleva idade para se aposentar de 60 para 62 anos Especial para O GLOBO ¿ PARIS

As intensas manifestações que há mais de um mês tomam conta da França diminuíram justamente em um dia crucial.

Ontem, o texto do projeto de lei de reforma das aposentadorias foi enfim votado e aprovado no Senado francês, por 177 votos a favor e 153 contra. A maioria governista garantiu a aprovação do texto, enquanto a esquerda o recusou em peso. Nas ruas, porém, os manifestantes pareciam estar mais preocupados com o início do recesso escolar de duas semanas: não houve qualquer grande protesto.

A principal alteração é o aumento da idade mínima da aposentadoria de 60 para 62 anos. Para ter o benefício integral, será preciso trabalhar até os 67 anos, em vez dos 65 atuais. Na terça-feira, o projeto de lei retorna à Assembleia para a última ratificação.

No dia seguinte, está prevista a votação final no Senado, com a promulgação pelo presidente Nicolas Sarkozy logo depois. O governo espera arrecadar mais C 4 bilhões ao ano com a reforma do sistema.

Durante a votação, o líder do Partido Socialista, Jean-Pierre Bel, disse que o governo ¿ignorou a voz dos franceses¿ e chamou a reforma de injusta.

¿ Os franceses sabem que a reforma vai ser adotada e, no fundo, sabem que não há nada que possa ser feito para evitá-la ¿ disse ao GLOBO o cientista político Jérôme Sainte-Marie, diretor de Política e Opinião Pública do instituto de pesquisas CSA.

Para Sainte-Marie, só uma greve geral que paralisasse completamente a França poderia travar a reforma, como já ocorreu no passado. Mas o medo da crise econômica e do desemprego não favorece a radicalização, explicou: ¿ Os próprios sindicatos não querem parar o país. Na realidade, todos desejam que a reforma das aposentadorias seja feita, mas não estão satisfeitos com o atual projeto.

No rastro da crise financeira global, vários países da Europa vêm adotando medidas semelhantes às da França. A Alemanha elevou a idade mínima para aposentadoria de 62 para 63 anos, e o Reino Unido, de 65 para 66 anos. A Espanha quer passar a idade mínima de 61 para 63 anos. Na Grécia, a idade foi de 61,4 para 63,5 anos.

Turismo amarga perdas com greves

Ontem, à exceção de poucas manifestações de grupos pequenos de estudantes, o único momento de tensão foi quando policiais dispersaram o bloqueio da refinaria de Seine-etMarne, a principal fornecedora de Paris. Os grevistas da Total tentaram em vão impedir a entrada da polícia, e três manifestantes ficaram feridos.

Desde quarta-feira, Sarkozy ordenou a reabertura à força de três depósitos de combustível e uma refinaria, de um total de 12 bloqueados por grevistas.

Com isso, o abastecimento nas principais cidades melhorou ¿ mas o país teve de importar gasolina e diesel esta semana. O procedimento foi acelerado para não prejudicar o início, ontem, do recesso escolar do feriado de Todos os Santos. A escassez de combustível afetava 20% dos postos, contra um terço na quarta-feira. As perturbações nos transportes continuam: 80% dos trens de alta velocidade estão operando e 60% dos trens regionais.

¿ Ainda não está o ideal, mas já não atrapalha tanto a vida ¿ disse o engenheiro Claude Lepont enquanto aguardava na fila de um posto em Paris. ¿ Hoje, a espera está em apenas dez minutos. Na terça-feira, rodei mais de uma hora atrás de um posto que tivesse diesel e, quando encontrei, fiquei mais uma hora na fila.

Mas esse alívio não evitou danos a vários setores da economia, como o turismo. Elisabeth Shwal, gerente de uma empresa de locação por temporada, teve prejuízo de C 4.500 após três clientes cancelarem reservasDois, franceses, temiam ficar parados na estrada por falta de combustível. O terceiro, americano, foi para a Itália.

¿ É triste dizer isso, mas tenho vergonha da atitude do meu país, que tem uma desconsideração completa pelos turistas, que acabam vivendo um pesadelo com as perturbações de greves ¿ disse Elisabeth.

Sindicatos convocam novos protestos

Mas nem todos estão insatisfeitos ¿ pesquisa divulgada ontem pelo instituto BVA mostra que 69% dos franceses têm simpatia pelos grevistas.

Apesar da queda de 30% nas vendas com os protestos, o vinicultor Laurent Cerqueu apoia o movimento. Mesmo favorável à reforma das aposentadorias, ele discorda do que chama de postura arrogante do governo: ¿ A forma arbitrária como essa reforma está sendo imposta me incomoda profundamente. As pessoas têm todo o direito de questioná-la e de serem ouvidas pelo governo.

Os sindicalistas planejam manifestações na próxima quinta-feira e em 6 de novembro. Já os estudantes voltam às ruas na terça-feira.