Título: Carvão move gerações de famílias da região
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 24/10/2010, Economia, p. 39

Trabalho passa de pai para filho. Salários maiores e aposentadoria mais rápida são atrativos da atividade centenária

NA SUPERFÍCIE, o carvão extraído a 150 metros de profundidade na mina Fontanella, da Metropolitana

A SAÍDA DA mina Criciúma, onde morreram três trabalhadores em um ano. Um bombeiro morreu num incêndio

MINEIRO REZA em frente a Santa Bárbara, protetora desses trabalhadores

CRICIÚMA e TREVISO (SC). A história das cidades da região carbonífera de Santa Catarina se confunde com a atividade centenária, que atrai trabalhadores geração após geração e explica tanto o desenvolvimento econômico como a degradação ambiental e a insegurança no trabalho. Procurador do Ministério Público do Trabalho, órgão que já foi autor de quatro ações civis públicas contra as carboníferas, Luciano Leivas, descreve bem essa ligação das minas com a cidade. Os salários costumam ser melhores e a aposentadoria ocorre após apenas 15 anos, o que atrai os homens da região:

¿ É um setor econômico com um vínculo cultural muito grande na cidade. Chamam de ouro negro, a mina mãe. As carboníferas patrocinam a equipe de futebol. Há uma aceitação das condições de trabalho que não são as melhores possíveis.

A mãe Roditi Rosi Baldin chora sem parar ao lembrar do filho Fábio Baldin, morto em março deste ano, aos 33 anos. Deixou dois filhos, de 11 e 2 anos. Um desmoronamento matou Fábio e o colega de trabalho Everton Gomes na Carbonífera Metropolitana.

¿ Não me conformo até hoje. Foi uma perda muito grande. O pescoço estava com colete, todo cortado. Não entendo. Ele tinha muita experiência na mina. Conhecia o perigo ¿ conta a mãe.

Roditi sabe bem dessa ligação das minas com os homens do lugar. Conviveu a vida inteira com a apreensão com os riscos nas minas subterrâneas. O marido, os quatro irmãos, os dois filhos e os dois genros estão ou estiveram no subsolo. Mesmo com os homens da família na mina, foi a primeira vez que perdeu um deles. E quase perde o filho mais velho: ele está de licença médica depois que fraturou a perna na mesma mina onde o irmão morreu.

A proteção divina vem de Santa Bárbara. Foi morta ao se recusar a se casar e preferir entregar sua castidade a Deus. Foi decapitada pelo pai, que morreu em seguida atingido por um raio. A santa protege contra raios, explosões e tempestades. E a maioria dos mineiros oferece uma prece antes de começar o trabalho de extração do carvão.

Além da fé, as brincadeiras ajudam a afastar o medo. Baixou à mina, o jargão dos mineiros para os que descem para o subsolo, o mineiro ganha um apelido. Uns mais despudorados, outros mais inocentes. É a maneira de manter o bom humor diante de um trabalho tão árduo. Entre os mineiros estão Lombinha, Camisa, Tijolo, Melissa, Sabonete, Travela, Serração, Bitoca, Pomba Lisa, Biguá...