Título: Sem resgate
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 24/10/2010, Economia, p. 37

Enquanto mundo celebra salvamento no Chile, 12 brasileiros morreram em minas desde 2008

Enviada especial ¿ CRICIÚMA e FORQUILHINHA (SC)

Enquanto o mundo ainda comemora o resgate dos 33 mineiros chilenos, que ficaram presos a 750 metros de profundidade, no Brasil os trabalhadores nas 11 minas de carvão em Santa Catarina choram os seus mortos a conta-gotas na região. Foram 12 mortes desde maio de 2008. A última aconteceu há apenas dois meses, e mais dois mineiros ficaram inválidos. A cada dois meses, um trabalhador perdeu a vida nas minas subterrâneas, num dos trabalhos mais perigosos do mundo.

Os acidentes fatais tinham parado de assombrar a rotina dos 4.154 mineiros das cidades de Criciúma, Lauro Muller, Barro Branco, Siderópolis, Forquilhinha e Treviso, em Santa Catarina.

Entre 2003 e 2007, um trabalhador morreu. A situação começou a piorar em maio de 2008, com a explosão de metano na mina 3G, da Carbonífera Catarinense, onde dois mineiros morreram.

O técnico de segurança Geremias Munaretto ajudou a resgatar os companheiros. Há 11 meses trabalha na Carbonífera Metropolitana. Desde então, já perdeu três colegas na mina Fontanella, que pertence à empresa: ¿ Ajudei a resgatar um amigo de mais de dez anos. Mesmo assim, eu gosto do trabalho, a gente se acostuma ¿ diz o mineiro que quer ser advogado, sonho de infância que os poucos recursos da família impediram que fosse realizado.

Com a aposentadoria especial aos 15 anos de trabalho, o sonho começa a se tornar realidade em 2011, quando Munaretto espera cursar a faculdade de Direito. Neto, filho, irmão e cunhado de mineiros, Munaretto quase perdeu o pai quando tinha 8 anos. O cabo que segurava a gaiola (o elevador que desce com os mineiros) arrebentou: ¿ Ele quebrou perna, braço. Quase morreu ¿ afirma o mineiro.

Mas o que aconteceu para que os acidentes fatais voltassem a atormentar os mineiros? É o que indagam os moradores da região, que ainda guardam na memória as histórias passadas de pai para filho sobre a atividade centenária. Ricardo Peçanha, superintendente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Santa Catarina, cita dois motivos: a extração na mina Fontanella, da Carbonífera Metropolitana, está em uma camada, chamada bonito, mais profunda e pouco conhecida: ¿ Há desplacamento (desmoronamento) lateral dos pilares de sustentação da mina. Estamos recomendando que se ponham cintas de aço em torno de cada pilar.

Mais produção, mais acidentes

O DNPM, segundo Peçanha, está firmando convênios com universidades para desenvolver estudos sobre essa camada ainda pouco conhecida pelos mineiros. Outro motivo foi o aumento da produção: ¿ Houve ainda um aumento de produção sem que as mineradoras introduzissem os equipamentos necessários.

O Brasil começou a crescer mais, precisando de mais energia.

Além disso, a Tractebel estava exportando energia para a Argentina, o que aumentou a demanda.

O carvão mineral de Criciúma é quase todo vendido para a empresa, para alimentar as termelétricas. Em 2007, foram extraídas 7,2 milhões de toneladas. Em 2008, esse volume subiu para 9,5 milhões, baixando para 8,2 milhões de toneladas em 2010.

O assessor técnico e engenheiro de minas do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do estado de Santa Catarina, Cleber Gomes, apesar de reconhecer que os acidentes fatais voltaram quando a produção aumentou, não crê numa relação direta: ¿ Essa correlação estatisticamente não existiu. Houve acidentes de todos os tipos em todas as minas.

O mineiro Edson Demétrio Tiago dos Santos, de 23 anos, estava com medo. Na empresa em que trabalhava, a Carbonífera Metropolitana, havia morrido um colega eletricista em março do ano passado. Sete meses depois, um acidente com uma máquina na saída da mina, faltando dez minutos para largar o trabalho, matou Edson.

Ele saltou da máquina para não ser esmagado contra outro equipamento no subsolo, mas bateu com a cabeça na lateral da máquina.

¿ Dizia todos os dias para ele não ir trabalhar. Perdi meu caçula, meu bebê.

Nossa vida acabou ¿ chora a mãe, Albertina Demétrio dos Santos.

A família toda se mudou depois da morte de Edson, em outubro do ano passado. Largaram seus empregos em Criciúma, inclusive a mulher de Edson, Taíse Nazário da Silva dos Santos, de 21 anos, casada com o mineiro desde os 14 e mãe da pequena Isis, hoje com 1 ano e três meses.

¿ Ele não podia descer lá para buscar a máquina. Ele era ajudante de mecânico e trabalhava na superfície ¿ conta Albertina.

Na reunião de novembro de 2009 da Comissão Regional do Setor Mineral, onde as condições de segurança são discutidas mensalmente com trabalhadores, empresas e governo, ficou determinado que a subida de máquinas no subsolo seria mudada, com o operador controlando a máquina fora dela, pela lateral. Mas o procedimento também traz riscos, já que o espaço na lateral é pequeno, afirmara na ocasião o engenheiro de segurança do Sindicato das mineradoras, Cleber Gomes. Ele recomendou o uso de outro tipo de veículo.

¿ Ele foi trabalhar lá para conseguir comprar um lote ao lado da nossa casa.

Ganhava R$ 600 no outro emprego e passou a ganhar R$ 1.200. O financiamento do lote saiu uma semana depois que ele morreu ¿ lembra.

Além do salário bem mais alto que a média na região, a aposentadoria especial de 15 anos é o grande atrativo para o subsolo.