Título: Censo: o país que o novo presidente vai governar
Autor: Bloch, Arnaldo; Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 24/10/2010, O País, p. 18

Dirigente do IBGE abre dados da pesquisa, que retratará Brasil cuja população migra cada vez mais e, em 20 anos, vai parar de crescer

Os olhos do sociólogo Luiz Antônio Pinto de Oliveira vasculham mapas que cobrem as paredes de seu gabinete, mas não encontram a resposta. Com 37 anos de IBGE, o coordenador de Populações e Estudos Sociais do instituto não sabe dizer quantas cidades brasileiras conheceu ao longo da carreira. Estima que foram ¿centenas delas¿, algumas recentemente. Apesar das milhas acumuladas, ele ainda se empolga com os fenômenos demográficos que encontra pelo caminho. Diz-se surpreso com o que viu este ano, no caminho entre Goiânia e Brasília: cidades-dormitório, nascidas da noite para o dia como ocupações, transformadas em gigantescos canteiros de obra. É um dos principais responsáveis pelo Censo 2010, a ser divulgado no fim de novembro. Seja quem for o futuro presidente, é bom ele, e ela, saberem o que Luiz já identificou nesta grande pesquisa populacional.

190 milhões em ação, rumo à taxa zero

O trabalho de campo ainda não terminou. Vamos concluí-lo até o fim de novembro, mas esperamos que a população brasileira fique em torno de 190 milhões, contra os 169.800 de 2000. Se a previsão se confirmar, demonstrará que o ritmo de crescimento declinou. A taxa anual deve ficar em 1,1%. É uma queda importante se lembrarmos que a mesma taxa, na década de 70, era de 2,5%. Isso leva a crer que, em 20 anos, o Brasil estará bem próximo da estabilização, taxa de crescimento populacional zero. A taxa de fecundidade caiu, as estruturas ficaram mais envelhecidas, há menos casais em idade reprodutiva fazendo filhos. Esse problema de controle de natalidade, superpopulação, está com seus dias contados, se é que já não acabou.

Sem programa social não se governará

Os formatos vão mudar, mas uma coisa não tem volta: ninguém mais vai governar por dez, 15 anos sem ter programa social forte. Vai ser necessário atender a um novo contingente populacional que vai buscar ascensão. Não é nem que tenha havido uma melhoria assim tão significativa na distribuição de renda. O que houve foi mobilidade, fortalecimento do crédito e do mercado interno, uma nova classe ascendente. Isso insere muita gente no circuito formal. Vemos isso nas certidões de nascimento. A formalidade se impôs porque as pessoas estão indo para o mercado de alguma forma: de bens, de consumo, de trabalho. Há mais vínculo jurídico, carteira assinada, gente contribuindo para a Previdência.

E a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) mostrou que, quanto à educação de nível médio e superior, houve considerável incremento numérico. A qualidade é que ficou prejudicada. Mas aí é um processo histórico. A questão é que esta amarra de desenvolvimento rompeu-se no Brasil. Aquele ciclo de estagnação não volta tão cedo. Seja quem for o próximo presidente, isso já está integrado ao nosso processo.

Moradia: uma chave para o novo Brasil

Se eu fosse prefeito e me perguntassem onde iria investir, responderia: ¿Na moradia¿. A sociedade brasileira não terá estima se não residir com dignidade. E parcela expressiva da população ainda mora muito mal. Não é só a casa, mas as condições da rua e, sobretudo, de saneamento. Houve, evidentemente, avanços com relação ao Censo de 2000, mas problemas localizados persistem, principalmente em esgotamento sanitário em cidades de todo o país, incluindo os municípios metropolitanos do Rio de Janeiro e grandes cidades, como Cuiabá e Campo Grande. Quem quer que ganhe as eleições, vai ter que investir fundo nesse déficit.

Violência provoca novo êxodo rural

Outro resultado importante do Censo 2010, mas que não é bom, será o esvaziamento rural. Os recenseadores estão encontrando muitos domicílios vagos nestes lugares, principalmente no Nordeste. Uma das razões é a violência. Parece um paradoxo, mas a melhoria das condições de vida dos idosos, beneficiados por programas de seguridade social, aumentou a incidência de assaltos ali. São pessoas que, geralmente, vivem sozinhas, porque os mais novos migraram para outros lugares.

Cidades de médio porte vão engordar

O Censo vai mostrar muitas mudanças regionais. Nas cidades grandes, o crescimento populacional caiu significativamente, provocado pelas baixas taxas de fecundidade e o esgotamento do espaço. A média de habitantes por domicílio, nestes lugares, deverá ficar em três pessoas, enquanto a população idosa continuará aumentando. Sendo assim, algumas metrópoles, incluindo as capitais do Centro-Sul, não deverão mais crescer no fim da década. Em cidades como Rio, São Paulo, Porto Alegre e Recife este é o último censo com crescimento. Por outro lado, o Censo mostrará a expansão das cidades de médio porte, pólos articuladores da economia e de serviços. Este crescimento, inclusive, esvazia as pequenas cidades do entorno.,

Nordestinos ficam no Nordeste

As tradicionais correntes migratórias em direção ao CentroSul perderam a força. O Nordeste está conseguindo reter população. Não sabemos exatamente onde, mas é provável que sejam as capitais e cidades médias. Esperamos que alguns estados brasileiros apresentem crescimento populacional acima da média. Um deles será Goiás, destino de uma corrente migratória ainda forte. Lá, a taxa deverá chegar a 2%. Isso em parte se deve ao inchaço fabuloso que vem sofrendo aquele entorno de Brasília, que nos últimos 20 anos passou de uns poucos milhares para mais de um milhão. Nos estados do Norte, isso também deverá ocorrer. Estados como Amapá ainda atraem muita gente, embora numericamente a movimentação seja inferior. Já no Sudeste, identificamos crescimento no litoral capixaba e no Norte Fluminense. O Mato Grosso também continua atraindo contingentes importantes, bem como Santa Catarina, que deverá suplantar as nossas estimativas com um crescimento no Vale do Itajaí e no litoral.

Casamento homossexual entra no mapa

Pela primeira vez, estamos perguntando no Censo o sexo do cônjuge. O resultado, evidentemente, será novidade e trará surpresas, embora eu não possa ainda analisar os números, que não estão disponíveis. Mas a pergunta ¿ ¿seu cônjuge é do mesmo sexo?¿ ¿ foi feita. Nas religiões, teremos um incremento entre os evangélicos, os espíritas e os sem religião, e uma queda entre os umbandistas

O fim do censo e a influência das avós

Há novos fenômenos. Cada vez menos gente nos domicílios (12% são de uma só pessoa). A criança que nasceu agora, com os pais no mercado de trabalho, vai ser criada também pelas avós, pelas creches, pela internet. Avós e bisavós, mais jovens, vão ter influência. As crianças terão cada vez menos colegas da própria idade na família, na rua, nos jardins, em quintais, pois os condomínios tendem a se fechar.

Além disso, o próprio censo tende a acabar num prazo relativamente curto. Daqui a dez anos a sociedade estará toda em rede, o monitoramento azeitado, a vigilância em toda parte. Desta ou de outra forma, por IP digital ou pela retina, os registros civis serão feitos de maneiras diferentes, eletronicamente. Em 2020, não sei se teremos censo.

Em 2030, de jeito nenhum.