Título: Ótimo, óbvio, ódio - ó ópera!
Autor:
Fonte: O Globo, 24/10/2010, Opinião, p. 7

Os artistas entraram na campanha eleitoral, ótimo. E óbvio que tem artistas dos dois lados. Não tinha que falar do óbvio, mas é o jeito, pois o ódio cega esta campanha. Também ressalvo: pedras (verdadeiras ou falsas) voam dos dois lados. Mas é preciso aceitar os apoios que agora os artistas dão a seus candidatos. Um erro isolado, como o nome do José Padilha em um manifesto, sem sua permissão, é o preço de uma ação de grandes proporções conduzida por pessoas e não por entidades. Daí a falar em pressões, vai uma distância enorme.

Eu, por exemplo, assinei o manifesto de apoio a Dilma e ninguém me obrigou. O Carvana me ligou e me perguntou se eu apoiava. Quando leio que fomos forçados a assinar, imagino eu dizendo que não apoiava e o Carvana, indignado, me gritando ¿vai trabalhar, vagabundo¿. Abracei no Casa Grande o Waltinho Carvalho, não é possível que ele estivesse tão feliz à força. E o Jorge Furtado, esse outro cineasta fundamental do cinema brasileiro hoje, tão firme nas suas posições, quem o obrigou a assinar? Será possível discordar, defender pontos de vista, sem agressões, rancores, sem perder a admiração pelos artistas com os quais não concordamos? Pois bem, estava aqui lendo Nicanor Parra ¿ o Chile entrou nas nossas vidas de novo estes dias ¿ e pensando em quem cabiam esses versos do poeta: ¿Y asi fué como lo convirtieron de un tonto útil de izquierda en tonto inútil de derecha.¿ Como outro Chile acolheu o... bom, será que já estou contaminado pelo ódio? E de repente encontro no GLOBO umas perguntas do Zelito Viana sobre o que é ser de esquerda. Pois gostaria de responder a essas perguntas, sem que se ponha em dúvida minha admiração pelo Zelito (e pela família toda). Podia respondêlas uma por uma, a partir da primeira: desde quando Henrique Meirelles é de esquerda? Desde nunca, Zelito, você tem razão. Mas qual esquerdista você imagina que o Lula poderia botar na presidência do Banco Central? Vamos lembrar da situação. Outra artista que admiramos havia resumido o pensamento do mercado, numa declaração emocionada: ¿Tenho medo do Lula.¿ Uma situação de tensão se criou com a eleição de um operário, forjado nas lutas sindicais, para a Presidência do Brasil. Qualquer passo em falso e Lula lá... fora.

Mas posso ser mais sucinto e dar uma explicação só, que responde a todas as perguntas.

O que define uma política de esquerda ou de direita é seu objetivo maior. O do atual governo do Brasil é defender seu povo ¿ por isso tem uma aprovação de 81%. É fazer no Brasil esta revolução silenciosa que está conseguindo quebrar a espinha dorsal perversa da estratificação social brasileira. Mas não é difícil encontrar atitudes que conduzem a esse objetivo e que não são de uma ortodoxia de esquerda. Ortodoxia, sabemos todos, que não cabe mais no mundo de hoje de ¿conceitos mais complexos e difusos¿.

Logo, escolher no meio do caminho algumas dessas atitudes e usálas para fazer perguntas/afirmações que procuram negar um pensamento de esquerda é fácil e falso. Nesse caminho, também mudaram os rumos da política externa brasileira.

Esses novos rumos aumentaram a importância do Brasil no mundo: os prêmios, o reconhecimento internacional são a forma de medir, como aqui os percentuais de aprovação dos institutos de pesquisa medem a aprovação interna.

Também é bom dizer que não são fins justificando os meios, outro lugarcomum do dicionário político. É como em um jogo de futebol. Um time para ganhar precisa de ataque e defesa, de táticas, de recuos (às vezes nos irritam aquelas trocas de passe no campo de defesa), de jogadas pelas pontas. E quando um juiz ainda está contra, vendo impedimento onde não existe, inventando faltas contra nós, deixando o adversário entrar de carrinho nas pernas dos nossos jogadores, tendo preconceito contra o capitão do time, é muito mais difícil ainda.

ADERBAL FREIRE-FILHO é diretor de teatro.