Título: Sorria, flanelinha está sendo detido
Autor: Motta, Danilo; Tavares, Karine
Fonte: O Globo, 25/10/2010, Rio, p. 13

Secretaria da Ordem Pública estuda instalar câmeras para coibir guardadores ilegais

HOMEM RECOLHE dinheiro de motorista na esquina das ruas Aníbal de Mendonça e Visconde de Pirajá, em Ipanema

NA GENERAL Urquiza, no Leblon, flanelinha aborda um homem que acabara de estacionar: em várias ruas, a cena se repetiu ontem

UM GUARDADOR irregular chama motoristas na Rua General Artigas, no Leblon: para coibir extorsões, polícia precisa de denúncias

Danilo Motta, Karine Tavares,Renata Leite e Simone Avellar

ASecretaria Especial da Ordem Pública (Seop) estuda a instalação de câmeras fixas para dar apoio ao trabalho da Guarda Municipal no combate aos flanelinhas em pontos da cidade onde a desordem urbana atingiu níveis críticos. Os equipamentos serão incluídos no projeto de modernização das instalações que abrigam parte dos 5.500 agentes. As novas estruturas, batizadas de Inspetorias Bacanas, já estão em construção, com sala de monitoramento equipada com internet, telefone e rádio.

A Seop já utiliza o monitoramento por câmeras, só que móveis, para coibir flanelinhas. O secretário da Ordem Pública, Alex Costa, explicou que os agentes, à paisana, posicionam-se em locais onde há denúncias e, escondidos, fazem imagens da movimentação deles. Mesmo com o flagrante, policiais e secretário ressaltam que a prisão de flanelinhas depende de denúncias de extorsão (crime previsto no Código Penal com pena de quatro a dez anos de reclusão). Caso contrário, só é feito o registro do exercício ilegal da profissão, e o detido volta para as ruas.

¿ Uma das formas de caracterizar formação de quadrilha é filmar a ação dos flanelinhas. No entanto, ainda assim, é preciso ter denúncias de vítimas de extorsão para que o delegado e o Judiciário possam caracterizar o crime. Em certas ocasiões, como dias de evento, chegamos a prender até 70 flanelinhas, mas poucos, ou nenhum, ficam na delegacia ¿ explicou Costa.

Além da prefeitura, o estado também pode atuar na desarticulação tanto de flanelinhas quanto de maus policiais que extorquem dinheiro dos guardadores irregulares. Para Paulo Storani, ex-capitão do Bope e professor da Universidade Candido Mendes, a polícia deveria usar com mais frequência estratégias como a infiltração de policiais, agindo à paisana, para combater os flanelinhas.

¿ A sociedade precisa se mobilizar para que o combate à extorsão praticada pelos flanelinhas se torne prioridade. E é aí que o Twitter se mostra um importante canal de comunicação com a administração pública ¿ disse o especialista.

A técnica de infiltrar agentes em situações de ameaça à segurança pública foi bem-sucedida, por exemplo, em 2008, quando PMs à paisana usaram bicicletas para flagrar um ladrão especializado nesse tipo de crime.

Sem PM, extorsão chega a R$30

A presença ostensiva de policiais em pontos críticos também pode coibir os flanelinhas, como foi verificado no último sábado na Praça São Judas Tadeu, no Cosme Velho. Uma patrulha da PM estacionada perto da entrada do Trem do Corcovado inibia a ação de guardadores ilegais na Rua Cosme Velho. Já ontem, sem a presença da polícia, os flanelinhas agiam livremente. Um deles cobrava R$10 pela vaga na Rua Eugênio de Sales, ao lado da praça, onde, apesar de uma placa indicar vagas do Rio Rotativo, não havia qualquer agente com talões.

¿ Aqui o preço costuma ser de R$10 a R$30, mas não sei qual é o critério que eles usam para definir o valor. Há os guardadores credenciados, que se revezam durante a semana, mas, quando não tem policial no local, os irregulares aparecem ¿ afirma uma vendedora que trabalha nas proximidades. ¿ Como não tem muitas vagas na rua, e o ponto turístico é pouco assistido pelo poder público, os flanelinhas exploram mesmo.

Já na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, nem a proximidade da polícia inibia a extorsão contra os motoristas. Um flanelinha exigia R$5 por uma vaga a menos de cem metros da cabine da PM, entre as ruas Joaquim Nabuco e Francisco Otaviano. Após negociar o preço, uma motorista conseguiu pagar apenas R$2 pelo estacionamento.

¿ Eu paguei o mesmo que os guardadores oficiais costumam cobrar. Se ele fosse credenciado e tivesse o talão, eu pagaria o preço que fosse, sem problema ¿ diz a motorista, que pediu para não ter seu nome publicado.

O turista Amauri Tavares, de 27 anos, conta que na manhã de sábado foi informado de que a cobrança seria de R$20. À tarde, com a presença da polícia, conseguiu estacionar usando o talão da CET-Rio.

Para o coronel Lima Castro, relações-públicas da PM, o medo de represálias é o que desencoraja os motoristas de buscar ajuda policial. Ele garantiu que a PM costuma realizar ações de infiltração, nas quais policiais à paisana observam a movimentação de pessoas em atividade suspeita em determinados locais, o que pode ser usado em investigações sobre a atuação de flanelinhas.

¿ Geralmente, o guardador irregular diz que está passando necessidade e apenas pedia esmola. Por isso, sempre dependemos da denúncia da vítima, senão, é como enxugar gelo ¿ destacou Lima Castro.

No Leblon, ação livre em várias ruas

Ontem, no Leblon, flanelinhas agiam livremente em boa parte das ruas, até mesmo em algumas com vagas destinadas ao estacionamento do Rio Rotativo, como na Rua Dias Ferreira, onde um guardador irregular visivelmente bêbado abordava os motoristas que tentavam estacionar na altura da Livraria da Travessa. Na Rua Gilberto Cardoso, apesar da placa do Rio Rotativo, outro flanelinha pedia dinheiro aos motoristas que tentavam estacionar em frente à Cobal.

Para o advogado criminalista Arthur Lavigne, o problema se deve à profunda desigualdade da social. Ele ressalta, contudo, que a remuneração dos flanelinhas deve ser sempre opcional:

¿ Quem pratica extorsão não é flanelinha, é assaltante.

Já o advogado da área cível João Tancredo acredita que a proliferação de guardadores irregulares é reflexo da ausência do poder público na cidade.

¿ As pessoas acham que prender os flanelinhas é a melhor solução. Mas é preciso lembrar que já temos a terceira maior população carcerária do mundo. Se pudéssemos prevenir esse tipo de ação, com a criação de estacionamentos regulares, por exemplo, não seria preciso prender ninguém.