Título: Na reta final, debate na TV vira ringue
Autor: Menezes, Maiá; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 26/10/2010, O País, p. 15

Dilma e Serra trocam pesadas acusações e ataques, especialmente sobre privatizações e corrupção

Maiá Menezes, Henrique Gomes Batista, Paulo Marqueiro e Fábio Vasconcellos

Em clima tenso, os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) trocaram ontem ataques diretos, usando assuntos recorrentes, durante duas horas de debate, na TV Record. Projetos como o PAC e o Bolsa Família, casos como o escândalo envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra e a questão das privatizações foram usados como instrumento para acusações recíprocas. De olho no eleitorado do Nordeste, tanto Dilma quanto Serra, que passaram três blocos do programa fazendo perguntas entre si, citaram a região logo nas primeiras questões.

O primeiro objeto da discórdia foi o PAC. Ao perguntar ao adversário, Dilma afirmou que o programa foi responsável ¿pelo crescimento a taxas chinesas do Nordeste¿.

Serra atacou: ¿ O PAC é, na verdade, uma lista de obras, mas uma lista em que não há planejamento, entrosamento e com índice de realização pequeno, talvez um sétimo foi de fato realizado.

Por exemplo, ela fala da Transnordestina, projeto que apresentei em 2002, ficou parado e, na véspera da eleição, estão tocando.

A transposição (do Rio São Francisco) também começou recentemente, e várias obras pararam. Basta olhar o que acontece no próprio Nordeste, obras que não saíram do lugar, como refinarias, siderúrgicas, então meu projeto para o Nordeste é desenvolvimento, mas para acontecer. PAC é muito mais saliva, muito mais propaganda que realização ¿ atacou o tucano.

Candidatos se acusam de mentirosos Dilma devolveu dizendo que o adversário estava ¿enrolando¿: ¿ Lista de obras era o Avança Brasil ¿ disse Dilma, se referindo ao programa de obras do governo Fernando Henrique Cardoso. ¿ Primeiro você fala que vai fazer obras do PAC; Ferrovia Norte-Sul, que está em andamento... Ninguém faz mil quilômetros em véspera de eleição. Tiramos obras do papel e estamos realizando.

A Transnordestina também tiramos do papel.

Serra devolveu dizendo que Lula fazia ¿apropriação indébita ou fantasia¿. O candidato tucano, ao afirmar que as obras não foram feitas no governo Lula, mas apenas listadas, afirmou que o governo tem ¿um certo desdém com o Nordeste¿.

Até quando o tema foi a banda larga ¿ uma das perguntas feitas por Serra ¿, a troca de ataques foi dura: ¿ Ela falou contra a privatização, e falou a favor da privatização; falou a favor do aborto, falou contra o aborto; falou a favor do MST, falou contra o MST, tudo segundo a intuição eleitoral. O PT e ela se opuseram à abertura das telecomunicações.

E disse que o grande negócio é banda larga ¿ disse Serra.

Ao falar de banda larga, Serra lembrou que a ex-ministra Erenice Guerra, que foi braçodireito de Dilma na Casa Civil, depôs ontem na Polícia Federal.

¿ O Brasil ficou atrasado oito anos na banda larga. A Casa Civil fez (alguma coisa), apenas na gestão da Erenice, que aliás depôs na PF por seus malfeitos...

A partir daí, a corrupção dominou o embate. Dilma citou o caso do ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, acusado de ter fugido com R$ 4 milhões supostamente arrecadados para a campanha de Serra. A petista afirmou que os tucanos ¿encobrem¿ Paulo Preto.

¿ A Polícia Civil poderia investigar o fato de que ele foi preso por receptação de joia roubada. A diferença de um governo para outro é que malfeitos acontecem. A atitude é que importa. Tem gente que investiga e pune, e tem gente que acoberta ¿ disse Dilma.

Serra reclamou do apelido dado ao assessor. E disse que não reconheceu o nome no debate anterior por causa do apelido: ¿ O apelido é preconceituoso e racista. Por isso não reconheci da outra vez. Nesse caso, a vítima seria a própria campanha ¿ disse Serra.

A candidata fez ainda uma cobrança a Serra: se ele é a favor do ProUni, por que não pede ao DEM para retirar a ação proposta contra o programa na Justiça: ¿ Essa história de ProUni é outra enganação propagada. A representação do DEM no Supremo não tem nada a ver com o ProUni.

Os dois candidatos disputaram até a proximidade com o projeto Ficha Limpa: Serra lembrou que o vice na sua chapa, Indio da Costa, foi relator.

Dilma afirmou que o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) também relatou o projeto.

¿ Há um processo sistemático do candidato Serra de assumir autoria de coisas que não são dele ¿ disse Dilma.

Serra se irritou com a adversária quando ela insistiu no caso de Paulo Preto: ¿ Este é um assunto fantasioso.

Ela fica mostrando isso para dar ideia de que é todo mundo igual na política. Ela teve ao lado dela uma mulher que montou um esquema amplo de corrupção.

Foi a Dilma que influenciou essa escolha. Tem um fulano que se chama Valter Cardeal (diretor da Eletrobras), que já deu vários golpes. Ele deu um golpe em um banco estatal alemão ¿ disse o tucano.

À acusação de Serra de que Erenice era braço-direito da petista na Casa Civil, Dilma reagiu dizendo que Paulo Preto é ¿braço direito, braço esquerdo e talvez até a cabeça¿ de Serra.

As privatizações esquentaram os ânimos no segundo bloco: Serra perguntou a Dilma sobre o tema. Ele disse que ela acusara o PSDB de querer privatizar o pré-sal, mas que a própria petista concedeu 108 áreas para a iniciativa privada quando era presidente do conselho da Petrobras.

¿ Quando era ela quem mandava, entrou a exploração de petróleo para 108 empresas, metade delas estrangeiras.

Com isso, há uma contradição ¿ disse Serra Dilma respondeu dizendo que se trata de outro momento, que o governo mudou a legislação quando foi descoberto o pré-sal, que ela classificou como ¿bilhete premiado¿.

¿ O pré-sal foi descoberto recentemente e, logo após a descoberta, suspendemos todos os leilões e mudamos o modelo, colocando a Petrobras como a operadora de todos os campos ¿ disse Dilma, que também voltou a falar da troca de nome da Petrobras para Petrobrax, feita pela estatal mas vetada pelo governo Fernando Henrique.

Serra, em sua resposta, disse que Dilma estava confundindo os eleitores e não esclarecendo o que ocorreu: ¿ O que ela fez teria sido privatização: deu para as empresas privadas áreas do petróleo.

No entanto, no caso do pré-sal, que quer fazer isso (a concessão, modelo defendido pelo PSDB) é privatizante, é um capeta, é um demônio.

Na sequência, Dilma voltou a perguntar a Serra, como já havia feito nos debates anteriores, qual seria a política do tucano para a criação de empregos, dizendo que no governo Lula foram criados quase 15 milhões de postos contra cerca de cinco milhões no governo Fernando Henrique.

¿ Como o senhor vai evitar que se repita essa tragédia ? ¿ questionou ela.

Serra voltou à questão da Petrobras. Na sua resposta, disse que Dilma é uma ¿profissional na arte da mentira¿ e que ela não havia respondido sobre o que teria feito. Ele também acusou o atual governo de ter cedido ao grupo político do ex-presidente Collor a administração de parte da BR Distribuidora em troca de apoio político. Dilma rebateu acusando fortemente Serra: ¿ O senhor está confundindo o que tínhamos antes com o pré-sal. Antes era carne de pescoço, agora é filé mignon. E vocês querem privatizar o filé mignon ¿ disse a petista.