Título: É agência reguladora ou de turismo?
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 10/07/2009, Política, p. 2

Órgãos responsáveis por arbitrar relação entre empresas privadas e governo gastaram R$ 168 milhões em passagens e diárias, desde 2007

Izabelle Torres

Kacio/CB/D.A Press

Enquanto o governo se queixa de queda na arrecadação e projetos essenciais amargam sem recursos, as agências(1) reguladoras gastam parte do orçamento para financiar viagens que custam caro ao erário. Desde 2007, as despesas com diárias nacionais, internacionais e com bilhetes aéreos somaram R$ 168,8 milhões, de acordo com dados oficiais da execução orçamentária. O valor daria para construir cerca de 17 mil casas populares. Somente em 2009, já foram gastos mais de R$ 15,5 milhões em passagens e outros R$ 13,2 milhões em diárias. A maior parte dessas despesas foi destinada a custear participações de servidores e diretores em eventos fora do país.

Na Agência Nacional de Águas (ANA), por exemplo, cerca de R$ 500 mil ¿ mais da metade dos R$ 838 mil despendidos este ano ¿ foram investidos em um único destino: uma viagem de 10 dias a Istambul, na Turquia. Doze funcionários da agência viajaram para a V Fórum das Águas e aos diretores foi reservado o privilégio de levar os cônjuges. A assessoria da agência diz que os bilhetes aéreos dos acompanhantes não foram pagos com dinheiro público. Somente nos primeiros meses deste ano, a ANA torrou em diárias no exterior mais de R$141 mil. A mesma despesa somou em todo ano passado R$ 158 mil e outros R$ 118 mil em 2007.

As viagens internacionais também animam outros órgãos reguladores, que apenas nos seis primeiros meses de 2009 já gastaram mais do que nos 12 meses de anos anteriores. É o caso da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que já torrou R$ 186 mil em diárias para o exterior, enquanto em 2008 a despesa totalizou R$ 126 mil. Este ano também tem sido de muitas viagens na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em diárias para o exterior, o órgão gastou mais de R$ 194 mil. Na mesma rubrica de gastos consta o valor de R$ 135 mil em 2008 e de apenas R$ 104 mil em 2007. Em passagens para regiões fora do Brasil, a agência gastou nos últimos meses pouco mais de R$ 146 mil.

Na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), as despesas para o exterior em 2009 também já encostam nos valores de todo o ano passado. Diárias e passagens internacionais somam R$ 241 mil, enquanto que em 2008 foram gastos R$ 309 mil.

Em casa As viagens de funcionários e diretores dentro do país também não custam barato. Este ano, diárias nacionais e bilhetes aéreos emitidos pelas agências somam uma conta de mais de R$ 15,5 milhões. O órgão que mais gastou com idas e vindas pelo Brasil foi a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Foram R$ 5,3 milhões nos últimos meses. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem logo em seguida, com gasto de R$ 4,7 milhões de janeiro a junho. Na rabeira dos gastadores está a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Com recursos contados e orçamento apertado, o órgão desembolsou em 2009 pouco mais de R$ 264 mil.

Projeto Ao mesmo tempo em que aumentam o peso para os cofres públicos ao longo dos anos, as agências reguladoras enfrentam uma batalha no Congresso para não perder poder e autonomia. Uma das primeiras propostas a entrar na pauta de discussão do segundo semestre na Câmara deve ser o Projeto de Lei nº 3337/04, de autoria do Executivo e relatado pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR). Em discussão desde 2004, a matéria tira desses órgãos a competência para a concessão de outorgas de serviços nas áreas regulamentadas. Na prática, as agências deixariam de decidir sobre licenças e permissões, passando o poder para os ministérios. A mudança é uma tentativa do governo de aumentar o controle sobre as agências, visto que apesar de realizar grande parte das indicações dos cargos de confiança, não controla diretamente indicações e escolhas de diretores, cujas indicações cabem ao Congresso.

1- O QUE SÃO As agência reguladoras são órgãos criados pelo governo com a finalidade de regular e fiscalizar a atividade de empresas privadas que prestam serviços. Elas se dividem em setores da economia, como, por exemplo, de energia, petróleo e telecomunicações. No Brasil, há atualmente 10 agências, que agem em relação aos interesses do Estado, dos consumidores e da concessionária.

Justificativas listadas

As agências reguladoras atribuem à atividade-fim o alto valor das despesas com viagens. A Antaq afirma que o aumento com diárias internacionais é consequencia de seminários realizados em outros países, como Bélgica, Estados Unidos e Holanda. Além disso, a agência diz que possui presença constante em missões internacionais e em cursos de capacitação para servidores. Frisa também que das viagens internacionais, apenas seis foram realizadas pelos diretores do órgão.

A Aneel informa que os gastos tiveram acréscimo em 2009 porque o Decreto nº 6.576/2008 aumentou o valor das diárias internacionais para diversos países. Além disso, o órgão afirma que o aumento das despesas também resulta da implementação, do Plano de Capacitação dos servidores do Órgão Regulador, o que inclui treinamento no exterior e no Brasil.

Já a ANTT alega que o aumento de despesas com passagens internacionais é decorrente do projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV). De acordo com a agência, no ano passado não havia a mesma demanda, pois os estudos sob responsabilidade do órgão estavam apenas em fase inicial. Além disso, a ANTT afirma que a maioria das viagens decorre da necessidade de representação institucional e a outra parte se deve à participação de funcionários em treinamentos e seminários.

A Anatel argumenta que entre suas atribuições está a de representar o Brasil nos organismos internacionais de telecomunicações, interagindo com órgãos reguladores de outros países. De acordo com a agência, o aumento de gastos com viagens é decorrência da participação da Anatel em encontros internacionais que objetivam discutir assuntos relevantes para o Brasil, como, por exemplo, a implantação da TV digital.

A Anvisa diz que sua liderança nos gastos com viagens nacionais é resultado da atividade que exerce, que requer inspeções constantes em diferentes regiões. Quanto aos gastos com trechos internacionais, a agência alega que sua atuação requer um contato direto com a Organização Mundial da Saúde e o treinamento periódico de seus funcionários. As demais agências não encaminharam resposta até o fechamento desta edição. (IZ)