Título: Irã inaugura usina nuclear e admite ajuda a Karzai
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 27/10/2010, O Mundo, p. 33

Hillary minimiza reator de Bushehr; analistas advertem que mensalão aos afegãos pode ser triunfo diplomático para Teerã

Os anos de atrasos causados pelos fornecedores russos e, mais recentemente, por um ataque cibernético ao sistema de computadores que controla a usina nuclear de Bushehr não tiraram dos iranianos a oportunidade de desafiar os Estados Unidos. A usina com capacidade de gerar mil megawatts de energia atômica foi inaugurada ontem carregada de um simbolismo amargo para o Ocidente. Além de representar o avanço do contestado programa nuclear de Teerã, o reator recebe combustível poucos dias depois de dois duros golpes para os interesses americanos no Oriente Médio e na Ásia: a demonstração da influência iraniana sobre o Iraque ¿ exposta pelos documentos vazados pelo site WikiLeaks ¿ e a revelação de que o governo de Mahmoud Ahmadinejad está entre os maiores patrocinadores do Afeganistão de Hamid Karzai ¿ comprovada ontem por Teerã.

¿Nosso problema não é Bushehr¿, diz Hillary

A usina recebeu o primeiro carregamento de combustível nuclear e, segundo o chefe da agência atômica iraniana, Ali Akbar Salehi, ainda serão necessários alguns testes finais para que o reator passe a operar plenamente ¿ o que deve acontecer até o início de 2011.

Em Nova York, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, tentou minimizar o incômodo causado pela notícia.

¿ Nosso problema não é com esse reator em Bushehr, nosso problema é com as instalações em Natanz, Qom e outros lugares onde o Irã pode estar trabalhando em seu programa de armas ¿ declarou Hillary.

Para o meio acadêmico e diplomático, no entanto, as dúvidas acerca do programa nuclear iraniano, parecem agora um problema menor para os EUA diante da comprovação de que Teerã entrega, duas vezes por ano, quantias que beiram o US$1 milhão ao governo do Afeganistão ¿ em tese, um aliado da Casa Branca.

¿ O governo deu assistência. Os planos de reconstrução do Afeganistão estão em curso, projetos de engenharia estão sendo executados, e continuarão no futuro ¿ admitiu, pela primeira vez, o porta-voz da Chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast.

Correntes majoritárias de analistas acreditam que o mensalão recebido pelo presidente afegão Hamid Karzai ¿ aliado ao fato de que Teerã financiou milícias xiitas em Bagdá ¿ atestam a pior derrota que os EUA poderiam sofrer: a constatação de que as guerras no Iraque e no Afeganistão beneficiaram apenas o Irã, que se livrou de velhos inimigos, como o ditador sunita Saddam Hussein e os fundamentalistas sunitas de etnia pashtu do Talibã.

No Iraque, a paralisia política seis meses após as eleições indicam que o premier xiita Nouri al-Maliki tem a seu lado milícias treinadas pelo Irã e prefere formar uma coalizão com o apoio do clérigo xiita radical Muqtada al-Sadr, deixando de fora facções sunitas. No Afeganistão, onde uma vitória militar sobre a insurgência parece cada vez mais distante, os EUA sofreram outro revés ao serem informados de que investiram pesado na formação de um governo em Cabul que não hesita em receber dinheiro de seu maior inimigo.

Para pesquisador, Irã e EUA são aliados no Afeganistão

Poucas são as vozes dissidentes. Steve Levine, pesquisador da Georgetown University e colaborador da revista ¿Foreign Policy¿, ainda acredita que o fracasso militar americano não é definitivo. Para ele, é preciso lembrar que além de dividir a fronteira com o Afeganistão, o Irã partilha ainda o idioma persa com parte da população afegã ¿ e que Teerã sempre disputou, junto com o Paquistão e a Índia, a influência regional sobre o vizinho. Levine diz ainda que, no caso afegão, Teerã e Washington são, na verdade, aliados contra o Talibã.

¿ Desde a década de 90, os iranianos serviram como contraponto ao Talibã. Sabemos que o Irã xiita não é um aliado natural do Talibã sunita. Nesse ponto, Washington e Teerã têm os mesmos interesses ¿ afirmou Levine ao GLOBO, de Washington. ¿ No Iraque, a influência iraniana preocupa, porque há petróleo. No Afeganistão, essa influência sempre existiu numa complexa disputa de interesses locais e vai continuar existindo mesmo quando os EUA deixarem o país.

Com agências internacionais