Título: Analistas criticam contabilidade criativa e uso antecipado de dinheiro do pré-sal
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 27/10/2010, Economia, p. 24
"Venderam um recurso natural precioso para cobrir gastos de custeio"
Falta de transparência, aumento do custo da dívida pública e uso antecipado da riqueza do pré-sal sem que a sociedade tenha sido ouvida são as críticas que analistas fizeram à manobra fiscal que permitiu que o governo federal registrasse o maior superávit primário (receita menos despesas antes do pagamento de juros da dívida pública) da história. A manobra, que está sendo chamada de contabilidade criativa pelo analistas, foi apoiada numa operação triangular que envolveu a capitalização do BNDES, em R$ 24 bilhões, o que fez a dívida bruta da União subir no mesmo valor.
É um absurdo. Venderam antecipadamente um recurso natural precioso para a sociedade (o petróleo do présal), para cobrir gastos correntes, de custeio disse Margarida Gutierrez, professora da Coppead da UFRJ.
Para Margarida, os recursos do pré-sal deveriam ser carimbados para investimento em infraestrutura básica, educação e saúde.
É uma riqueza que não tínhamos há dez anos e estão torrando. A sociedade deveria ser ouvida para dizer para onde deveriam ir os recursos.
O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), alerta para o aumento do custo da dívida pública.
Na operação que permitiu o superávit histórico, a União contraiu dívida pagando juros de 10,75% ao ano e recebeu créditos que rendem TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) que está em 6% ao ano.
Com isso, o custo da dívida vem crescendo. Em julho de 2009, estava em 13,9% ao ano e subiu para 14,6% em agosto último.
É como se aplicasse os recursos em poupança e se endividasse no cheque especial.
Há um descasamento entre os ativos e passivos. Com o tempo, até a dívida líquida vai começar a subir. É a herança para os jovens desse país completou Margarida.
Levy diz que os artifícios contábeis também criam dificuldade para se acompanhar o efeito dos gastos públicos na atividade econômica.
Não se é capaz de captar o efeito das contas públicas na demanda agregada. Essa é a principal preocupação diante da demanda já forte do setor privado.
Segundo Levy, o nível de superávit fiscal primário está semelhante ao do período da crise global, entre 2008 e 2009. Mas a realidade econômica é completamente diversa: a arrecadação está batendo recordes a cada mês e as despesas com seguro desemprego vêm caindo.
O desemprego está no menor patamar histórico.