Título: Morte embaralha jogo político
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 28/10/2010, O Mundo, p. 35
Sem sua figura central, governo e oposição serão obrigados a buscar nova estratégia Correspondente ¿ BUENOS AIRES
A repentina morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner (2003-2007) provocará mudanças no governo de sua esposa e sucessora, Cristina Kirchner, no Partido Justicialista (PJ) e em todos os blocos e alianças opositoras. Aos 60 anos, Kirchner, que morreu ontem de manhã em El Calafate, na Patagônia, era o político mais importante do país e tudo parecia indicar que seria o candidato da Casa Rosada nas eleições presidenciais de 2011. Ele já estava em campanha e em busca de um companheiro ou companheira de chapa para tentar obter um terceiro mandato K. Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, sem Kirchner, todos, aliados e opositores, terão de embaralhar e dar as cartas novamente.
Importantes empresas de consultoria do país suspenderam ontem pesquisas que já estavam sendo realizadas sobre o cenário eleitoral visando ao pleito presidencial de 2011. Segundo Sergio Berenztein, da Poliarquia Consultores, Kirchner tinha uma enorme influência sobre a política argentina e sua morte obrigará o governo, o peronismo e a oposição a se reposicionarem.
¿ O ex-presidente era o principal candidato para 2011 e muitas candidaturas da oposição estavam sendo construídas em oposição a ele ¿ explicou Berenztein.
Lado emocional, um peso para a mulher
Além de Kirchner, outros possíveis candidatos são o vice-presidente Julio Cobos, ex-aliado do casal K, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, o deputado e cineasta Fernando ¿Pino¿ Solanas e o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003). Todos lamentaram a perda e evitaram fazer comentários sobre o futuro pós-Kirchner.
¿ Quando nos confrontamos com a morte devemos deixar de lado tudo o que nos colocou em situação de divergência ¿ declarou Duhalde.
Ambos ex-presidentes protagonizaram duríssimos batebocas nos últimos anos.
Duhalde foi o principal promotor da candidatura de Kirchner em 2003, mas a parceria terminou quando o casal K chegou ao governo. Nos últimos anos, Kirchner se transformou no homem forte do peronismo e Duhalde optou pelo silêncio. Este ano, no entanto, o ex-presidente decidiu retornar ao cenário político e desafiar o ex-aliado. Mas, sem a candidatura de Kirchner, Duhalde e outros terão que repensar a estratégia.
¿ Numa primeira etapa, acredito que haverá uma trégua com o governo de Cristina ¿ opinou o analista Carlos Fara, da Fara e Associados. ¿ O governo deverá processar o luto político e pessoal, porque Kirchner era o grande estrategista da Casa Rosada.
Mas Cristina não pode ser subestimada; ela está capacitada para continuar governando, a única dúvida é a magnitude do golpe emocional ¿ opinou Fara.
Na ausência de Kirchner, a presidente seria a candidata natural do governo nas eleições. No entanto, muitos analistas não se atreviam a arriscar se Cristina teria condições emocionais de encarar uma campanha sem seu companheiro dos últimos 35 anos. Para o jornalista Luis Majul, autor de ¿O Dono¿, uma espécie de radiografia do ex-presidente, Cristina sempre considerou Néstor seu chefe político e terá um ano para demonstrar que pode agir sem ele.
¿ Kirchner se encarregava de muitas coisas, desde pensar políticas de Estado até ajudar um amigo que precisava receber dinheiro do Estado ¿ contou.
A derrota eleitoral sofrida pelo expresidente nas eleições legislativas do ano passado diminuiu levemente o protagonismo de Kirchner no governo de Cristina: candidato do governo pela província de Buenos Aires, conseguiu eleger-se deputado, mas em segundo lugar. Apesar da questionada participação do governo na campanha, o candidato mais votado na principal província argentina ¿ onde vivem um terço do eleitorado do país ¿ foi o empresário Francisco De Narváez, um dos líderes do peronismo dissidente.
Nos primeiros meses posteriores à eleição, o ex-presidente se dedicou a rearmar a estratégia. Segundo versões extraoficiais, já estava praticamente decidido que Kirchner seria o candidato do governo no ano que vem.
¿ Sem Kirchner, governo e oposição ficam sem uma referência central da política argentina ¿ diz Carlos Fara.
Alguns analistas consideram que a morte do ex-presidente poderia representar uma oportunidade para Cristina retomar as rédeas do poder. Sergio Berenztein adverte, no entanto, que se Cristina radicalizar seu discurso, fará um grande favor à oposição: ¿ Agora, se a presidente mudar o tom, adotar medidas para recompor o vínculo com a classe média, atacar a inflação, melhorar a segurança no país, construir uma nova liderança, poderia ter grandes chances no ano que vem.