Título: Poucas opções para segurar o dólar
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 28/10/2010, Economia, p. 29

Controle de capitais não é descartado a longo prazo. Economista não vê risco de bolha

Patrícia Duarte, Martha Beck e Cássia Almeida

BRASÍLIA e RIO. Os alertas do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, sobre a necessidade de serem evitadas bolhas nos mercados brasileiros de crédito e câmbio esbarram na pequena margem de manobra que o governo tem para contornar o problema global da desvalorização do dólar. No cardápio de medidas de maior eficácia que ainda podem ser tomadas, são evidentes apenas duas: a elevação da alíquota dos compulsórios, no caso do crédito, e a imposição de controle do fluxo de capitais, na área cambial. Mas a segunda ação ¿ popularmente chamada de quarentena ¿ é improvável atualmente por ser muito ortodoxa. A avaliação é compartilhada tanto pelo BC quanto pelo Ministério da Fazenda. A longo prazo, porém, já sob um novo governo, o controle de capitais não é descartado.

Caso o BC perceba um movimento mais intenso no mercado de crédito, poderá eventualmente elevar as alíquotas do compulsório para retirar parte desse capital de circulação. Esses cenários são, inclusive, constantemente avaliados pelo BC, e não apenas em momentos de crise. No entanto, seja qual for a medida, impera no BC a avaliação de que eventuais novas ações a serem adotadas serão ¿paliativas¿ e ¿temporárias¿. Isso se forem tomadas, já que o cenário internacional é o principal problema. No Ministério da Fazenda, é dado como certo que novas ações serão adotadas nos próximos meses.

Publicamente, a ordem é a cautela. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que o governo já está adotando medidas para se proteger o excesso de liquidez vindo de mercados que hoje estão desaquecidos como o americano e o europeu, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a entrada de capital estrangeiro.

Aparentemente, a tributação maior conseguiu frear a entrada de recursos. Segundo o BC, enquanto a conta financeira (por onde passam os investimentos estrangeiros diretos e em portfólio) anotou o ingresso de US$3,265 bilhões entre os dias 1º (quando entrou US$1,316 bilhão) e 8, nas duas semanas seguintes o fluxo ficou positivo em apenas US$639 milhões. Além disso, cinco dos nove dias úteis entre 11 e 22 de outubro registraram saída líquida de investidores.

No dia 4 de outubro, o governo decidiu elevar, de 2% para 4%, a alíquota do IOF cobrado de estrangeiros que entram no Brasil para aplicar em renda fixa (títulos públicos e contratos futuros). Foi a primeira ofensiva para conter a apreciação do real. Mais ainda havia muitas brechas abertas para que o investidor burlasse a tributação ¿ e isso explica, em parte, a entrada de US$1,949 bilhão para essas aplicações entre os dias 4 e 8.

No dia 18, o governo elevou novamente o IOF da renda fixa de estrangeiros, para 6%, e subiu de 0,38% para este patamar o IOF sobre o valor das garantias a serem depositadas para operações no mercado de derivativos. No dia 21, anunciou medidas, cujos efeitos ainda serão sentidos.

Economista diz que elevado fluxo de capital estrangeiro pode afetar crédito

O economista-chefe da GAP Asset, Alexandre Maia, porém, não vê riscos de bolha no Brasil. Para ele, essa avaliação parece uma justificativa para as ¿intervenções excessivas¿ no mercado de câmbio. Ao contrário da grita geral, Maia afirma que o dólar está artificialmente apreciado, ou seja, deveria estar mais barato. E cita a valorização, em dólar, dos preços dos produtos exportados.

¿ O índice de preços dos produtos exportados valorizou 20%, enquanto o preço dos produtos importados ficou estável. Isso já justificaria um dólar mais barato. Mas está exatamente no mesmo patamar de outubro do ano passado, R$1,71. Estão mantendo a cotação artificialmente.

Zeina Latif, economista sênior do Royal Bank of Scotland (RBS) para a América Latina, também não acredita que o país viva hoje no limiar de uma bolha. Ela explica que o elevado fluxo de capital estrangeiro pode afetar não apenas o câmbio, mas também o mercado de crédito:

¿ Temos visto uma aceleração forte do crédito, mas ainda não vejo isso como reflexo dos fluxos internacionais. A expansão dos empréstimos para pessoas físicas inspira cuidados.

Roberto Padovani, estrategista-sênior do banco WestLB do Brasil, concorda que o país não apresenta sinais claros de bolhas. Mas ele aponta que o aumento da liquidez global pode gerar bolhas em todo o mundo, inclusive no Brasil:

¿ Diante da postura do Federal Reserve, o BC americano, há risco de que a política monetária gere bolhas em vários lugares.

O dólar subiu ontem 0,93%, a R$1,722, num dia em que avançou frente a outras moedas no mundo. É a maior cotação frente o real desde 20 de setembro. Já a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em queda de 0,24%, aos 70.568 pontos. As ações preferenciais da Petrobras subiram 1,31% e as ordinárias, 1,19%, com o anúncio de novas reservas em Sergipe.

COLABORARAM Flávia Barbosa, Lucianne Carneiro e Emanuel Alencar