Título: Cerco à manipulação do câmbio
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 28/10/2010, Economia, p. 29

Brasil proporá ao FMI classificar países que forçam desvalorização de suas moedas para embasar ações na OMC BRASÍLIA

O governo brasileiro vai propor na próxima reunião de líderes do G-20 (grupo que reúne as 20 principais economias do mundo) que o Fundo Monetário Internacional (FMI) crie um índice de manipulação cambial para classificar os países e apoiar eventuais ações por subsídio ilegal no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A ideia é descobrir quem está usando o câmbio para baratear seus produtos e dar mais competitividade às suas exportações. A informação foi antecipada ao GLOBO pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e faz parte do esforço de tentar um acordo internacional para evitar o agravamento da guerra cambial.

¿ Eu vou propor que o FMI avalie quando os países estão fazendo manipulação cambial. O Fundo Monetário teria que fazer uma metodologia que medisse quais são os países cujo câmbio reflete uma situação estrutural, que seria o câmbio flutuante, e visse quem está forçando a barra. A consequência disso é fazer um acordo para diminuir essa artificialidade, pois, caso contrário, isso poderá ser considerado amanhã como subsídio comercial (na OMC) ¿ disse o ministro. ¿ Aliás, está previsto pela OMC que manipular câmbio é subsídio comercial que deve ser evitado e pode resultar em sanções.

Mantega afirmou que vários países já estão adotando medidas para enfraquecer suas moedas e recuperar suas economias por meio das exportações. Mas nem todos admitem isso. Ele destacou que o Japão, por exemplo, tem feito compras maciças de dólares, enquanto a China aumentou suas reservas em US$ 200 bilhões, que passaram para US$ 2,3 trilhões.

¿ Eu sei, por exemplo, que o Japão faz manipulação cambial porque anunciou a compra de um monte de dólares há três semanas. Já a Coreia não admite que está fazendo intervenção, mas ela está, pois criou algumas restrições para a entrada de capital estrangeiro. Uma metodologia do FMI daria maior transparência.

Segundo o ministro, a guerra cambial só será totalmente resolvida depois que as economias desenvolvidas prejudicadas pela crise conseguirem se reaquecer: ¿ Até lá, vamos ter algum tipo de briga cambial. Vamos ter isso por cerca de dois anos. A rapidez disso também dependerá de os países seguirem o nosso apelo de usar política fiscal para estimular seus mercados internos.

Dólar poderia cair a R$ 1,50.

Mantega rebate críticas

O ministro disse que um acordo internacional seria a melhor maneira de minimizar os efeitos da guerra cambial. Mantega defendeu ainda as ações adotadas pelo governo brasileiro até agora para evitar a excessiva valorização do real em relação ao dólar. O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a entrada de investimentos estrangeiros em renda fixa e para a margem que precisa ser depositada nas operações com derivativos, por exemplo, foi anunciado para reduzir o ingresso de capital no país.

Mantega destacou que, num conjunto de 16 moedas, apenas o real e o franco suíço se enfraqueceram na última semana, quando o governo endureceu as ações antiderretimento do dólar. Enquanto o euro subiu 0,88% e o iene, 0,27%, o real caiu 1,18% e o franco suíço, 1,43%.

¿ Se não tivéssemos feito nada, o dólar estaria valendo R$ 1,50 hoje ¿ disse Mantega.

Ele também rebateu as críticas feitas à forma como o governo fechou suas contas em setembro.

Graças a uma manobra fiscal com a capitalização da Petrobras, o Tesouro Nacional conseguiu uma receita de R$ 31,9 bilhões e registrou um superávit primário recorde. Segundo o ministro, a operação foi correta e atende a todas as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal.

¿ Não há nenhum superávit falso. Tivemos uma arrecadação de concessão pública (pagamento feito pela Petrobras na exploração de petróleo do pré-sal) e tivemos que lançá-la. Não fomos nós que fizemos a legislação ¿ disse o ministro, que também rebateu as críticas de que falta transparência às contas públicas: ¿ Nossas contas são detalhadas mês a mês.

Num ranking internacional de transparência, o Brasil ficou à frente da Alemanha e dos outros integrantes do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).

Segundo o ministro, o superávit primário ainda mostra os custos das medidas anticíclicas adotadas contra a crise, quando o governo aumentou gastos para estimular a economia: ¿ No próximo ano, o governo já pode desativar os incentivos e não precisará mais capitalizar o BNDES. As despesas vão cair.

Além disso, Mantega ressaltou que a arrecadação também será turbinada pelo Imposto de Renda, que não se recuperou totalmente. Como este reflete a lucratividade das empresas no ano anterior e 2009 ainda sentiu a crise, só em 2011 vai espelhar a expansão de 7,5% do PIB deste ano.