Título: Girão é o primeiro vereador cassado pela Câmara
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 28/10/2010, Rio, p. 23
Em medida inédita desde 1977, político acusado de ligação com milícia perde mandato por decisão dos seus colegas
O EX-VEREADOR Cristiano Girão no dia da posse, em janeiro de 2009, e a porta do seu gabinete, que ontem ficou fechada com cadeado
O advogado do vereador cassado Cristiano Girão (PMN), Zoser Hardman de Araújo, disse que vai recorrer da decisão da Mesa Diretora da Câmara, que ontem decretou por unanimidade (cinco votos a zero) a perda do mandato do político. Girão, que está preso há dez meses acusado de envolvimento com a milícia de Gardênia Azul (Jacarepaguá), foi punido, como prevê o regimento, por ter faltado a mais de um terço das sessões do ano.
Para Hardman, a punição ao seu cliente é absurda:
¿ Ele não faltou por vontade própria e está confiante de que a Justiça reverterá a situação. Sem contar que Girão está preso com base numa denúncia oferecida pelo Ministério Público à Justiça, mas até hoje, a Seção Criminal (como vereador, ele tinha direito a fórum privilegiado) não estudou as alegações.
Mesmo com vereador preso, gabinete funcionava
Desde 1977, quando a cidade se tornou a capital do estado surgido com a fusão do antigo Estado do Rio com a Guanabara, Girão é o primeiro vereador da história da Câmara do Rio a perder o mandato por decisão dos próprios colegas. Votaram: Jorge Felippe (PMDB), Jairinho (PSC), Patrícia Amorim (PMDB), Carlo Caiado (DEM) e Stepan Nercessian (PPS). Mesmo preso e sem receber subsídios devido às faltas desde março, Girão manteve o gabinete em atividade.
O custo de manutenção do gabinete (incluindo salários de 20 assessores, cotas de selo e combustíveis), que permaneceu fechado ontem, chegou a cerca de R$1 milhão este ano. Essa estrutura será extinta hoje, com a publicação da ata da reunião que justifica a decisão da Mesa Diretora de cassar o mandato de Girão. O suplente José Everaldo Costa (PMN) tomará posse na quarta-feira.
¿ A manutenção do gabinete é um dos mistérios que nunca entendi. O chefe de gabinete que atesta a presença de funcionários só pode ter o ponto abonado pelo vereador. Se o Girão está preso, como poderia saber se o chefe de gabinete comparecia mesmo ao trabalho? ¿ perguntou Andrea Gouvea Vieira (PSDB).
Girão respondia ainda a um processo no Conselho de Ética, por envolvimento com a milícia, que poderia resultar na perda de mandato. O processo será arquivado provisoriamente, mas poderá ser retomado, caso a Justiça conceda uma liminar favorável. Em nenhum dos dois casos, a perda do mandato prevê que Girão fique inelegível. Além disso, ele ainda é considerado ficha-limpa, porque não foi julgado por órgão colegiado.
Na Alerj, o presidente da CPI das Milícias, Marcelo Freixo (P-SOL), criticou a decisão de cassar Girão por faltas. Ele espera que a Casa tenha uma postura diferente no futuro. Em fevereiro, o suplente Luiz André Deco (PR), acusado de duplo homicídio e também de ligação com milícia na comunidade da Chacrinha (Jacarepaguá), assumirá no lugar de Liliam Sá (PR), que foi eleita deputada federal. A Câmara, porém, não poderá requerer informações à polícia ou à Justiça antes de Deco efetivamente tomar posse.
¿ Afastar Girão por faltas é um escárnio com a população e abre brecha para que ele consiga voltar por decisão da Justiça. A CPI demonstrou que ele é um criminoso. Até os bombeiros decidiram expulsá-lo. Os vereadores não tiveram coragem de enfrentar a milícia e punir Girão pelo Conselho de Ética ¿ disse Freixo.
A presidente do Conselho de Ética da Câmara, Teresa Bergher (PSDB), argumentou que só recebeu a representação contra Girão no dia 31 de agosto. E o processo não pôde ser concluído por ser necessário seguir os prazos que asseguram ao vereador o direito de se defender. Ela acha que os ritos do conselho devem ser revistos para que haja mais agilidade. Fernando Moraes (PR), autor da representação ao Conselho de Ética, lembrou que demorou quatro meses para conseguir as 33 assinaturas necessárias. Segundo ele, esse prazo poderia ter sido abreviado se tivesse encontrado receptividade entre os colegas:
¿ Muitos vereadores não queriam apoiar a abertura de procedimento no Conselho de Ética sem provas previamente reunidas. Muitos só assinaram a representação depois que eu mesmo busquei provas no Tribunal de Justiça, no TRE e nos bombeiros. Mas entendo que o papel de obter esses documentos era do próprio conselho.
Filme retrata ligação com o crime
Denúncias envolvendo políticos com milícias fazem parte da rotina da Alerj e da Câmara do Rio, sendo retratadas inclusive no filme ¿Tropa de Elite 2¿. Em setembro, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça condenou o deputado Jorge Babu (PTN) a sete anos de prisão, em regime fechado, por formação de quadrilha armada, por envolvimento com uma milícia na Zona Oeste. Ainda cabe recurso. O ex-deputado Natalino Guimarães, acusado de integrar uma milícia em Campo Grande, renunciou para não ser cassado pela Alerj. Ele é irmão do ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, também acusado de ligação com milícia.
Preso em 2008, Jerominho decidiu não se candidatar à reeleição. Ele lançou a filha Carminha como sua herdeira política. Durante a campanha, ela chegou a ser presa, acusada de ter a ajuda da milícia. Carminha foi eleita, mas perdeu o mandato em 2009, por decisão do TRE, por um motivo diferente: erros na prestação de contas da campanha. Outro ex-vereador conhecido por ligações com a milícia era Nadinho, assassinado em 2009, após não conseguir se reeleger.