Título: Ministros se exaltam e batem boca durante o julgamento
Autor: Braga, Isabel; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 28/10/2010, O País, p. 3

Em vários momentos da sessão de ontem, ânimos ficaram exaltados

Catarina Alencastro, Isabel Braga e André de Souza

BRASÍLIA. O solene plenário do Supremo Tribunal Federal teve ontem momentos de pugilismo verbal. No segundo julgamento sobre a validade da lei da Ficha Limpa, em vários momentos ministros exaltados caíram no bate-boca.

Indignado com a interpretação dada por parte de seus colegas que defendiam a validade este ano da Ficha Limpa, Gilmar Mendes atacou o Tribunal Superior Eleitoral, a quem acusou de tomar decisões casuísticas. E proferiu uma coleção de adjetivos para desqualificar a iniciativa da lei, que, segundo ele, fere a Constituição ao retroagir para punir atos anteriores à nova legislação eleitoral.

- Aproveitou-se a carona de um projeto de iniciativa popular e incluiu-se a renúncia como causa de inelegibilidade. (A emenda) tem nome e sobrenome vinculados ao PT e que tinha interesse na exclusão de um candidato. É uma lei de caráter inequivocamente casuístico. Veja que sandice se faz em nome da chamada higidez (saúde) moral. É bom que se saiba que aqui se teve esse desejo: lei casuística para ganhar a eleição no tapetão. Esse tipo de covardia que faz a maioria contra a minoria não tem nada a ver com o princípio da moralidade - disse Gilmar.

Ele criticou a decisão da corte eleitoral de livrar o deputado Valdemar Costa Neto (PP) da aplicação da lei, classificando o julgamento de "casuísmo jurisprudencial". A acusação foi rebatida pelo presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, e por Cármen Lúcia, relatora do caso.

- Eu repilo qualquer insinuação de que o TSE esteja fazendo casuísmo jurisprudencial. Repilo com veemência - reclamou Lewandowski.

- Vossa Excelência primeiro escute - reagiu Gilmar, sugerindo que Lewandowski não havia entendido.

Cármen Lúcia, relatora do caso no TSE, entrou na briga:

- É melhor que se verifique o que aconteceu, antes de fazer qualquer referência ao TSE.

Em outro momento, Gilmar interrompeu o voto do colega Celso de Mello para voltar a reforçar sua tese de que a lei era uma tentativa de ganhar as eleições no "tapetão":

- Não estamos longe de, daqui a pouco, uma notícia-crime seja suficiente para ser caso de inelegibilidade. Não podemos, em nome do moralismo, chancelar normas que podem flertar com o nazifascismo.

Os ânimos se agitaram principalmente depois que a corte chegou a um novo empate, e foi iniciada uma nova votação para definir um critério para que o impasse de cinco votos a cinco fosse superado. A essa altura, após mais de cinco horas de discussão, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, consultou os colegas sobre se o julgamento deveria ser suspenso e retomado somente depois que a 11ª vaga da corte fosse preenchida ou se o caso deveria ser encerrado ontem mesmo. Marco Aurélio Mello apresentava sua posição, quando, diante de sua demora, Ellen Gracie pediu que ele manifestasse logo seu voto.

- Não cobre definição. Se tem alguém que tem coerência, sou eu - respondeu o ministro, insinuando que Ellen pressionava porque tinha uma viagem para fazer.

- Respeito pelo tempo alheio é uma cortesia que se impõe - reagiu Ellen.

Marco Aurélio continuou sua argumentação, evitando concluir a votação.

- Eu também, como a ministra Ellen, quero apenas saber do seu voto, aguardo o voto de Vossa Excelência - interrompeu Ayres Britto.

- Vossa Excelência saberá. Mas não aceito fórceps - retrucou Marco Aurélio.

- Nem ninguém aqui é geneticista - completou Ayres Britto.

- Então aguarde, Excelência.

Ainda durante o julgamento do processo de desempate, Ellen Gracie manifestou impaciência com a demora em se chegar a um veredicto e pediu que os votos fossem prontamente colhidos. O presidente da Corte não gostou e protestou:

- Se a senhora me permite, continuo a presidir a sessão.

No final, Gilmar e Lewandoswski voltaram a se estranhar. O presidente do TSE não gostou de argumentos usados pelo colega e tentou rebater críticas às decisões da Justiça eleitoral. Gilmar disse que ele deveria aguardar em silêncio:

- Não posso deixar de usar meu direito sagrado de me manifestar - disse Lewandowski.

- Quando eu terminar de falar, Vossa Excelência pode falar a noite inteira - rebateu Gilmar.