Título: Discurso foi uma versão light da carta de Lula em 2002
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 02/11/2010, O País, p. 12

PAULO LEME

NOVA YORK.O economista Paulo Leme, diretor de mercados emergentes do banco de investimentos Goldman Sachs, elogia o discurso pós-eleição de Dilma Rousseff, mas diz que governo é como teatro: a qualidade depende não só do texto, mas da escolha e da interpretação dos atores

Fernanda Godoy

Correspondente

O GLOBO: O senhor vem destacando, em seus relatórios, a inclinação de Dilma Rousseff por um modelo de Estado forte.

O que o senhor espera na nessa área? PAULO LEME: Essa é uma posição clara, respeitando-se as regras do jogo e os contratos.

Usando a linguagem do próprio PT, é o Estado indutor (do desenvolvimento), que é muito ativo na execução de projetos de investimentos. Foi essa a referência que eu fiz, de ter um Estado com uma presença grande, e ao mesmo tempo acompanhado de uma participação grande no mercado de crédito, como também de uma carga tributária elevada, para ter os recursos para executar esses objetivos.

Esse é o entendimento do mercado. Vamos ver o que isso significa na prática.

O que o senhor espera da formação da nova equipe de governo? LEME:Você pode ter uma peça de Shakespeare com diferentes interpretações e diferentes atuações, dependendo do diretor da peça e dos atores. Dependendo de quem sejam os atores principais, não só na parte do coordenação política, ou seja, Casa Civil, como também na parte da política macroeconômica. Há uma série de possibilidades, com diferentes nomes, que geram variações sobre o mesmo tema.

Para poder ser preciso, é preciso ter o elenco com o qual ela vai trabalhar.

Quem o senhor diria que será o principal protagonista? LEME: Eu diria que começa pela Casa Civil, não só por ter uma visão ampla, mas por ser o que nós chamamos de chief operating officer, aquele que vai implementar os planos de voo do governo.

Outra coisa importante é que a base de apoio do governo Rousseff no Congresso exige um piloto que saiba fazer a articulação entre o Legislativo e o Executivo.

Depois disso, vêm o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o Ministério do Planejamento, o BNDES.

O senhor também prevê o aumento dos gastos com infraestrutura e com programas sociais. Como o senhor avalia os problemas fiscais do governo? LEME:O que é muito claro é o descompasso entre gastos elevados e crescentes no plano corrente e uma participação muito baixa dos gastos de investimento nos gastos totais do governo. O Brasil precisa investir em infraestrutura. Porém, para a segurança e o equilíbrio fiscal, vai ter que comprimir os gastos correntes

Que sinais da presidente eleita o senhor destacaria? LEME:O discurso dela na noite de domingo, o primeiro como presidente eleita, é um discurso encorajador. Ele é pouco convencional, ela entra num grau de detalhamento sobre economia que não é comum nesses discursos. Ela volta a reafirmar o compromisso com as políticas macroeconômicas, com a consolidação das conquistas, com a necessidade de ter uma gestão fiscal responsável, diz que é necessário ter um gasto público mais eficiente, uma reforma tributária. Seria uma versão light da Carta aos brasileiros (do então candidato Lula) em 2002.