Título: O xis do problema
Autor:
Fonte: O Globo, 02/11/2010, Opinião, p. 7

ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JUNIOR

Aconteceu ontem... Acontece a toda hora: a situação caótica que existe no sistema de saúde, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Todo presidente dos EUA se elege dizendo que vai resolver o problema de assistência médica. Quando chega perto do problema, para de falar no assunto. Estão lá uns 40 e pouco milhões de americanos sem assistência. Uma pessoa que sofreu um traumatismo vai a um hospital público. Recebe a informação que o seu caso tem que ser operado com urgência, mas que a lista de centro cirúrgico está muito longa. Entretanto, há possibilidade de ser atendida ¿ ¿porque nesta noite, por coincidência, estou de plantão na casa de saúde não sei das quantas¿.

O ¿paciente¿ é referido para o setor privado e atendido pelo mesmo médico que deu a informação no hospital público. Em seguida ao ¿atendimento¿, a pessoa vai para uma segunda opinião. Quando olhamos a radiografia ¿ sem falar, claro, na conta astronômica ¿ ela tinha mais parafusos do que qualquer automóvel em linha de montagem. Foi operada num hospital particular, e ainda pagou por fora os ¿implantes¿...

O maior índice de complicações vem do setor ¿privado¿! A questão central que ocorre no setor de serviços, particularmente na assistência médica, resulta do fato de que a lógica do setor produtivo foi transportada para o setor de serviços. Daí vem o conceito de produtividade, de metas etc. Estamos fazendo bicicletas ou montando automóveis? O equívoco vem da Constituição, que criou a complementaridade e permitiu a dupla militância. O sujeito está no hospital público, mas ele não é um servidor público. Faz ¿ponto¿ lá, reivindicando greve ¿por melhor salário¿ para simplesmente usar o lugar como centro de triagem para ele mesmo ou para seu grupo no setor privado.

Enquanto não se passar a noção de que a dedicação exclusiva é fundamental, continuaremos na mesma. Tenho muito receio dessas iniciativas que estão sendo feitas sob o rótulo de ¿contrato de gestão¿, pois na verdade, na maioria das vezes, são formas de privatização, que não têm nada a ver com o que foi implantado na Rede Sarah.. E ainda falam: ¿Nós estamos implantando o modelo Sarah.¿

¿ O pessoal tem dedicação exclusiva, vocês derrubaram a estabilidade? A seleção é pública?

--- Não, quer dizer... Talvez nós cheguemos a isso um dia... ¿ e não se ouve mais falar no interlocutor.

Outra coisa também é esse negócio de meta. Hoje em dia, em Medicina, na Inglaterra, berço dos serviços nacionais de Saúde, afirma-se que ¿meta¿ é uma forma mais grave de corrupção do que tudo jamais inventado, porque para fazer a meta é preciso usar a lógica do setor produtivo.

Por outro lado, não se atrai um jovem sem se conciliar prática e discurso. Aí, o jovem adere. Agora, se o jovem ouve um belíssimo discurso e o professor completa: ¿Vocês me desculpem, mas agora eu tenho que ir para o meu consultório, está na minha hora...¿

Pode esquecer.

ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JUNIOR é cirurgião-chefe da Rede Sarah.

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