Título: Os órfãos da Petrobras
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2009, Política, p. 5

Quarenta e sete iniciativas de ONGs patrocinadas pela estatal estão paralisadas desde dezembro por falta de repasse de recursos estimados em R$ 60 milhões. CPI do Senado estaria entre as razões do bloqueio

João Alves da Fonseca, de Goianésia, diz que aprendeu a ¿ter paciência¿

O que os assentados de Goianésia e de Juruena, no Mato Grosso, o Banco de Mudas da Mata Atlântica, os agricultores de Laranja da Terra (ES) e moradores da região dos mangues de Pernambuco têm em comum? Todos estão à espera de recursos da Petrobras para tocar projetos importantes em suas comunidades. Patrocinadas pela estatal, por meio do programa ambiental, 47 iniciativas de organizações não governamentais selecionadas em dezembro do ano passado estão paradas. O valor total do programa: R$ 60 milhões. Preocupada em se defender das denúncias que desaguaram na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado, a Petrobras estaria deixando uma multidão desassistida.

São famílias como a de Ivanilza Rodrigues da Silva, de 28 anos. Mãe de três filhos, ela ficou sabendo de projeto aprovado pela Petrobras para atender a comunidade do assentamento Presente de Deus, na zona rural de Goianésia (GO), ainda no início do ano. Depois, nunca mais. ¿Teve reunião, mas até agora nada. Vai ser bom para a gente.¿ Qual é a proposta? ¿Não sei bem. Parece que vão dar um trator e a cerca para fechar as nascentes, não é?¿. O escopo do projeto, no site da empresa, diz que o objetivo é ¿criar uma rede de gestão de recursos hídricos nos assentamentos de reforma agrária na região do Vale do São Patrício¿.

A demora na liberação da primeira parcela, de R$ 1,8 milhão, tem uma explicação para o coordenador do programa. ¿É essa CPI. Os técnicos estão levantando informações e fazendo relatórios¿, afirma o médico Fernando Corso. Ele reforça que renovações de contratos e novos editais foram suspensos desde que a empresa entrou ¿no olho do furacão¿. A comissão foi instalada em maio para investigar possíveis irregularidades constatadas pela Polícia Federal na empresa. A apuração também terá foco nas denúncias de sonegação fiscal e supostas fraudes no repasse de royalties a prefeituras, além da concessão de patrocínios para programas culturais. O início dos trabalhos da CPI será na terça.

Doutor Fernando, como é conhecido na região, abraçou a causa dos sem terra. Desde 2005, elabora projetos para assentados no Vale do São Patrício. Por onde o programa da Petrobras passou, as melhorias são visíveis: ¿Despertamos a consciência do meio ambiente com geração de renda¿.

É por essa mudança que João Alves da Fonseca, do Presente de Deus, torce: ¿A vida aqui é difícil. Vamos nos virando. Um leitinho aqui, uma galinha¿. O agricultor é presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais da Fazenda Itajá 1 e diz ter esperança de que o projeto comece logo. ¿Mas aprendi a não ter pressa.¿ Atualmente, os agricultores desembolsam R$ 70 por hora de trator. Sem renda fixa, o valor consome quase todo o dinheiro que uma família junta no mês.

O Banco de Mudas da Mata Atlântica também não tem previsão para funcionar. A Associação Ambientalista Projeto Copaíba, do interior de São Paulo, responsável pelo projeto de R$ 300 mil, não tem nem estimativa. Assim como o projeto de conservação da microbacia do córrego Dois Irmãos, em Itamonte (MG). As ações ambientais no Recôncavo Baiano, realizadas pelo Grupo Ambientalista da Bahia, também terão que esperar para começar.

Petrobras nega Em nota, a Petrobras nega que a situação dos projetos contemplados na última seleção do Programa Petrobras Ambiental tenha relação com a CPI. Em novembro, a diretoria da empresa adotou medidas de redução de custos, tendo em vista a crise financeira internacional. Essas medidas teriam adiado o início de alguns projetos ¿ entre eles, os contemplados pelo programa Petrobras Ambiental. A liberação de recursos começa após a assinatura dos contratos, prevista para ocorrer nos próximos três meses.

Menina dos olhos Por conta do impacto provocado pelas atividades da empresa na natureza, os investimentos em meio ambiente têm crescido. Em 2008, somaram R$ 1,97 bilhão. Durante o lançamento do balanço social e ambiental do ano passado da empresa, o presidente José Sérgio Gabrielli destacou a importância dos investimentos em responsabilidade social para o crescimento da Petrobras, que pretende, em 2020, estar entre as cinco maiores do mundo no ramo energético. A empresa, contudo, ficou perto de perder o Índice de Sustentabilidade por conta do nível de enxofre no diesel produzido no Brasil. Em nota, a empresa informa que nunca descumpriu a Resolução nº 315 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que determina limites para emissões veiculares, e disse desconhecer a solicitação para a retirada da Petrobras do Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DISI).

Compensação financeira

Os royalties são uma compensação financeira devida ao Estado pelas empresas concessionárias produtoras de petróleo e gás natural no território brasileiro. São recolhidos mensalmente e distribuídos aos estados, municípios, ao Comando da Marinha, ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao Fundo Especial administrado pelo Ministério da Fazenda. A alíquota é de 5% a 10% da produção.

Medida de credibilidade

O Dow Jones Sustainability World Index (DJSI World), criado em 1999, é composto por ações de empresas de reconhecida sustentabilidade corporativa. Resumindo, são aquelas capazes de criar valor para os acionistas no longo prazo, por aproveitarem oportunidades de negócios e gerenciar os riscos associados a fatores econômicos, ambientais e sociais. O modelo influenciou a criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, em 2004, que passou a ser referência para empresas brasileiras.

Blog fica restrito aos elogios

A explicação para os milhares de comentários ¿ praticamente unânimes em defesa da Petrobras ¿ no blog Fatos e Dados pode estar na rede formada pelos beneficiários dos programas da empresa. O ¿exército¿ recebe diariamente notícias atualizadas sobre as atividades da estatal e os ¿ataques¿ da mídia. ¿Estamos acompanhando a CPI por email com as notícias do blog. Tomara que acabe logo. Só prejudica nosso trabalho¿, afirma a presidente da ONG Gente do Cerrado, Denise Santana, responsável pelo projeto Águas do Cerrado, em Goianésia.

A empresa é a maior patrocinadora de cultura do país. Em 2008, foram R$ 205 milhões. Desse valor, 4% podem ser deduzidos, pela lei, do Imposto de Renda. Para o programa Desenvolvimento e Cidadania, a empresa previa R$ 1,2 bilhão no período de 2007 a 2012. Os projetos são ligados ao Fome Zero. Porém, o edital 2008 ainda não foi lançado.

No caso mais polêmico da semana, a denúncia de que a Fundação Sarney recebeu mais de R$ 1 milhão da Petrobras e não cumpriu as metas do projeto, não provocou, no blog, reações indignadas. O internauta Luiz Mozzambani, por exemplo, criticou as investigações: ¿É lamentável o uso político que alguns de nossos famigerados senadores estão fazendo dessa CPI. O que eles temem é que a cultura, levada ao povo de forma contundente, ameace mandatos suspeitos¿. Já Nelson Naque elogia a empresa pela paciência e por esclarecer tudo.

A política de comentários da empresa foi questionada pelo internauta Roberto Costa. ¿Os comentários são manipulados, não permitindo participação crítica. Por que permitir comentários se os mesmos são censurados?¿. A resposta da empresa é que todos os textos estão abertos para comentários, que passam pela aprovação de um moderador. O critério para publicação, segundo a Petrobras, é que os comentários não tenham conteúdo ofensivo ou desassociado do tema do site. (AR)