Título: O primeiro embate da nova Câmara
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 03/11/2010, O Mundo, p. 25

Republicanos tentarão cortar custos para sabotar a lei mais importante de Obama, mas terão que lidar com lobby do setor

NOVA YORK. A reforma da saúde, principal lei aprovada no governo Barack Obama, será o primeiro alvo dos republicanos quando o Congresso dos Estados Unidos voltar a operar com força total, após a temporada de eleições. Os republicanos já anunciaram que vão tentar barrar as votações de dotações orçamentárias para a lei, desfigurando a reforma, que foi um dos pontos mais controvertidos nesta campanha eleitoral.

Os candidatos republicanos, e especialmente os do bloco ultraconservador Tea Party, apelidaram a reforma de Obamacare, tentando colar no presidente Barack Obama a imagem de chefe de um Estado gastador, que se intromete na vida dos cidadãos. Sarah Palin, líder do Tea Party, foi explícita na proposta de derrubar a reforma da saúde ontem, em entrevista a uma emissora de rádio:

¿ Obamacare é a mãe de todas as propostas sem recursos. Nós não queríamos essa reforma desde o começo, não temos dinheiro para pagá-la. Ninguém explica como vamos pagar US$3 trilhões por esse desperdício quando há maneiras melhores e mais razoáveis de prover saúde ¿ disse Palin.

Uma das estrelas do Tea Party nesta eleição, Sharron Angle, candidata ao Senado por Nevada, fez da reforma da saúde um inimigo e uma arma para tentar derrotar seu veterano oponente, Harry Reid, líder da maioria no Senado:

¿ Quero que Harry Reid pare de ¿fazer mais por Nevada¿. Não temos mais dinheiro! ¿ disse Sharron.

Os mais exaltados falam em derrubar a reforma inteira, mas dificilmente a oposição seguirá esse caminho. A estratégia mais provável é uma sabotagem que privaria pontos-chave da reforma de financiamento. Aprovada em março, a reforma da saúde, que estende a cobertura a mais de 30 milhões de americanos que não tinham atendimento, ainda é uma obra em andamento. Apenas alguns pontos entraram em vigor, como a exigência de que as empresas de seguro-saúde aceitem clientes com doenças pré-existentes e que mantenham os filhos como dependentes nos planos dos pais até a idade de 26 anos.

Outros pontos dependem de legislação complementar e da cooperação dos governos dos estados, onde os republicanos deverão passar a ser maioria. Pelo menos 115 pontos da reforma precisam ter sua dotação de recursos aprovada pelo Congresso, o que torna real a chance de que ela vire uma ¿lei zumbi¿, tão desfigurada que a eficácia quase não seja notada.

Empresas já começaram a fazer lobby com os republicanos para obter mudanças, mas sem cortar aquilo que consideram benéfico. Os republicanos detestam, particularmente, o ponto que obriga todos os cidadãos a contratarem seguro de saúde, mas as empresas contam com isso para trazer mais cidadãos saudáveis para o sistema, equilibrando sua carteira de clientes. Nos EUA, a maioria das pessoas tem seguro de saúde por meio do empregador. Os custos de contratação individual são proibitivos, e um dos objetivos da reforma era reduzi-los, mas até agora o efeito foi o oposto.

Candidatos democratas enfrentaram ataques

Considerada a prioridade legislativa número 1 do governo Obama, a reforma foi aprovada em março com apoio maciço do Partido Democrata, mas muitos dos seus senadores e deputados passaram a campanha na defensiva por causa desse voto.

O melhor exemplo dos ataques a quem apoia a reforma é Tom Perriello, da Virgínia, a favor de quem o presidente Obama chegou a fazer um apelo, reconhecendo que ele estava pagando um preço alto por sua lealdade. Na campanha, os anúncios republicanos destacavam que ¿quando o Congresso aprovou a tomada do setor de saúde pelo governo, Perriello seguiu a linha do partido¿.

Opositores da reforma, incluindo grupos independentes, gastaram US$108 milhões em anúncios de oposição a ela nas eleições, segundo o Campaign Media Analysis Group. Até mesmo candidatos democratas fizeram anúncios contra a reforma, como o deputado Jim Marshall, que tenta a reeleição na Geórgia. O anúncio, na TV, dizia: ¿Eu votei contra a reforma da saúde de Nancy Pelosi, de US$1 trilhão, porque não temos dinheiro para pagar¿, tendo o cuidado de associar a crítica à impopular presidente da Câmara.