Título: Ofensiva desesperada de Obama
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 03/11/2010, O Mundo, p. 24
Por e-mail, Twitter e rádio, presidente apela a eleitores e tenta reduzir danos a democratas
Numa sala no subsolo da Igreja Metodista Foundry, transformada em sessão eleitoral, em Washington, os americanos começaram a votar às 7h da manhã (hora local). Charles, de 69 anos, votou democrata na cédula, mas prevê dois anos difíceis para o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com a anunciada perda da maioria parlamentar na Câmara de Representantes.
¿ Os republicanos são governados pelo grande capital. Normalmente, sou um otimista, mas neste momento não é o caso ¿ confessou.
Brent, 56, votou na oposição, e espera dias melhores com o Partido Republicano de volta a um papel preponderante no tabuleiro político:
¿ Não vi mudança alguma com Obama nos últimos dois anos. E se mudou, foi para pior.
Os dois ilustram boa parte das opiniões de eleitores que foram ontem às urnas nos 50 estados dos EUA, num pleito considerado um referendo sobre os dois anos de governo Obama. Dos 218 milhões de eleitores registrados, era esperado o comparecimento de cerca de 90 milhões, um índice de participação em torno de 40% ¿ abaixo da média de 55% nas eleições presidenciais, mas superior aos 30% dos pleitos legislativos. O número de eleitores que votou antecipadamente alcançou os 16 milhões, um recorde para as eleições de meio mandato.
Durante o dia, Obama fez uma verdadeira ofensiva tentando reduzir os estragos no campo democrata: o presidente, que já votara pelo correio, deu quatro entrevistas a rádios, postou dezenas de mensagens em seu twitter e enviou e-mails para estimular um desanimado eleitorado democrata a sair de casa para colocar seu voto na urna.
¿ Para aquele que está me ouvindo, lembre-se, você pode dar forma ao futuro. Mas se não se envolver, alguém o fará em seu lugar. Uma das melhores maneiras de fazer isso é ir votar ¿ conclamou em entrevista na rádio KPWR.
Resultado pode levar a mudanças na Casa Branca
O presidente destacou a retomada do crescimento econômico pós-crise financeira mundial, a reforma da saúde e a retirada das tropas americanas do Iraque como algumas das conquistas de seu governo, e enfatizou a necessidade de contar com ¿amigos e aliados¿ no Congresso para continuar o seu trabalho. Em entrevista a uma rádio de Las Vegas, destacou que ¿o voto dos latinos é crucial¿ e fez um esforço final por Harry Reid, o líder democrata no Senado, que trava uma disputa apertada em Nevada.
¿ Sabemos que se todos que votaram em 2008 votarem em 2010, Harry vencerá. Se não, perderá.
Os primeiros resultados a saírem, no entanto, não foram animadores: o republicano Rand Paul, um oftalmologista estreante na eleição, conquistou a cadeira ao Senado por Kentucky, dando ao movimento conservador Tea Party sua primeira vitória; enquanto em Indiana, o republicano Dan Coats tomou a cadeira dos democratas. Na Flórida, Marc Rubio, outro expoente do Tea Party, bateu o governador Charles Crist na briga pelo Senado. Mas não foi uma eleição sem perturbações. Em Kentucky, houve 105 telefonemas referentes a denúncias de compra de votos em 46 condados.
Nas eleições de meio mandato de 1994, o presidente Bill Clinton, então com aprovação de 46%, perdeu a maioria parlamentar e 53 cadeiras na Câmara de Representantes. A pergunta que se fazia pelo país era o número de deputados que Obama, com uma popularidade de 45%, teria a menos. Às vésperas do pleito, analistas políticos protagonizaram intensamente esse concorrido jogo de adivinhação.
Para Jerry Hagstrom, comentarista do semanário político ¿National Journal¿, de Washington, se os democratas perderem em torno de 52 cadeiras, a derrota não terá sido tão dramática, mas ¿em política nunca é bom perder¿, acrescentou. No entanto, ele acredita que, em minoria na Câmara, Obama talvez possa conseguir o corte do déficit público ¿ um de seus declarados objetivos ¿ mais facilmente com os republicanos do que com os próprios democratas.
¿ A questão é saber se os republicanos vão querer ajudá-lo nisso ou querer derrubá-lo ¿ notou ele, no Centro de Imprensa Estrangeira, em Washington.
Na sua opinião, se conquistarem a maioria, os republicanos não adotarão uma atitude de ostensivo confronto nos dois anos que restam do mandato de Obama:
¿ Eles fizeram isso com Clinton em 94, depois que venceram as eleições de meio mandato, e foi aí que começaram a perder o pleito presidencial de 98.
Hoje à tarde, Obama fará um pronunciamento para comentar os resultados e definir a postura do governo no novo quadro político. Ontem, antes mesmo da divulgação do balanço de lucros e perdas, caciques democratas sugeriam mudanças no círculo de colaboradores próximos do titular da Casa Branca.