Título: Presidente e partido
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2009, Política, p. 8

A aliança com o PMDB que Lula persegue obsessivamente é, portanto, um pacto que preserva esse fisiologismo.

A crise do Senado, até o momento, só trouxe uma coisa boa: a entrevista do senador Tião Viana (PT-AC), publicada no último fim de semana. É possível que, a longo prazo, venhamos a perceber que esse melancólico episódio foi positivo, quem sabe até reconhecendo que foi o início de um grande processo de mudanças na Casa. O que não parece provável, no entanto.

A entrevista de Tião Viana é relevante por duas razões. De um lado, é um senador importante, que chegou a ocupar a presidência da instituição e tem papel de destaque no seu dia a dia. De outro, é do PT.

Fazia tempo que nenhuma figura significativa do PT se manifestava criticamente em relação ao presidente Lula. Tempo demais, considerando a história do partido e o comportamento de Lula para com ele.

É lugar-comum dizer que uma das explicações da desenvoltura do presidente nos últimos anos é a ausência de uma oposição mais organizada e ativa. Em parte, pode ser verdade, pois a popularidade que alcançou deixou mesmo desnorteados aqueles que deviam criticá-lo. Como fazer oposição a alguém que conta com uma aprovação quase unânime?

Mas nem sempre se discute o impacto desse fator na vida de seu partido. Se os números das pesquisas fizeram com que as oposições ficassem zonzas, dentro do PT eles foram ainda mais perturbadores: deixaram paralisados seus militantes e quadros.

Há quem brinque com as oposições, lembrando que quem foi governo a vida inteira, como a maioria dos parlamentares do PSDB e do DEM, demora a aprender a ficar do outro lado. E os políticos do PT, que sempre foram oposição? Como será que aprenderam, tão rapidamente, a concordar com tudo que o presidente diz e o governo faz?

O mais extraordinário na entrevista de Tião Viana é que, passada uma semana, nenhuma voz de peso no PT a tenha endossado, nem que fosse em parte. Tião ficou sozinho, como a única pessoa em seu partido que pensa ¿essas coisas¿.

O pior é que é difícil discordar dele, especialmente quanto à obsessão de Lula com o PMDB e o que dela decorre. O senador não disse nada que ninguém ignorasse, apenas o que nenhum de seus companheiros se sentiu em condições de falar.

O duplo controle das Casas do Legislativo por um só partido foi qualificado como uma ¿tragédia¿ por Tião Viana, chegando a ser uma catástrofe em sendo esse partido o PMDB. Definido como ¿a essência do fisiologismo¿, o PMDB faz ¿tudo para acomodar os interesses de seus parlamentares¿, que ¿só querem assegurar suas reeleições¿, como diz elegantemente o senador, para não ter que dizer que esses ¿interesses¿ são múltiplos e grandes.

A aliança com o PMDB que Lula persegue obsessivamente é, portanto, um pacto que preserva esse fisiologismo. Ele se condena a terminar seu governo preso a esses interesses e estabelece para sua candidata uma perspectiva ainda pior. Vencendo, Dilma governaria dentro dos limites impostos por esse pacto e seus personagens.

Será que só Tião Viana pensa assim dentro do PT? Seus colegas senadores e deputados, seus companheiros que dão expediente na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, não terão visto esse PMDB fisiológico em ação? Nunca perceberam nada?

Depois do mensalão, da vitória em 2006 e do crescimento de sua popularidade em 2008, Lula, ao que parece, entendeu que não havia ninguém melhor que ele para dirigir o partido. Fez como quis a candidata a sucedê-lo e determinou como e com quem seria sua campanha e eventual governo.

Nas democracias, não há nada de mal quando um chefe de governo é questionado dentro de seu próprio partido. É até estranho que só uma voz dentro do PT cobre de Lula as decisões que toma.