Título: O equívoco da pressão pela volta da CPMF
Autor:
Fonte: O Globo, 05/11/2010, Opinião, p. 6

Desde o seu fim, em dezembro de 2007, numa decisão histórica do Senado, a CPMF vagueia na política brasileira como ameaça constante ao contribuinte, pessoa física e jurídica. Uma das boas notícias surgidas nas primeiras declarações de Dilma Rousseff na condição de presidente eleita é que ela tem posição contrária à volta do ¿imposto do cheque¿ como alternativa para financiar gastos na saúde pública.

Mas não se pode ser otimista em excesso, pois, segundo a própria presidente, governadores pressionam para o restabelecimento da contribuição.

Ela não deve recuar, para o bem de todos, porque a CPMF, por incidir várias vezes nas movimentações financeiras, sobrecarrega o custo de produção das empresas, torna-as menos competitivas no exterior ¿ não bastasse a valorização do real ¿, infla preços no mercado interno e taxa proporcionalmente mais as pessoas de renda mais baixa. É, então, um imposto economicamente prejudicial e socialmente iníquo.

Tem, portanto, razão Dilma Rousseff. E por isso ela prefere ¿outros mecanismos¿ para tratar da equação financeira da Saúde. Com o início do seu governo, será possível abordar e discutir o assunto com serenidade, pois terá passado a campanha, na qual o grande patrocinador de Dilma, o presidente Lula, deu, de maneira equivocada, uma conotação políticopartidária agressiva ao fim da CPMF.

Por diversas vezes, o presidente abordou o assunto como se a eliminação do gravame tivesse sido uma agressão pessoal a ele, esquecendose da grande mobilização que houve na sociedade contra a contribuição, originada de um imposto ¿provisório¿ tornado eterno pela dificuldade de os políticos adequarem despesas a receitas. Eles costumam fazer o contrário: se os gastos tendem a subir, preferem aumentar impostos, em vez de conter despesas.

É assim que, no período dos governos FH e Lula, a carga tributária escalou dez pontos percentuais de PIB, e chegou na faixa dos 36% do valor da produção da economia, com tendência a atingir os píncaros dos 40%. Os 36% já são índice recorde entre as economias emergentes, com as quais o Brasil concorre frente a frente ¿ com evidente desvantagem ¿, e até maior que o de países desenvolvidos.

Com a redemocratização e a consequente e natural descentralização de poder e de receitas tributárias, União, estados e municípios repartiram funções, mas não cuidaram de fazer mesmo com os tributos, sem criar e elevar impostos. Passaram a conta dessa grande reacomodação institucional para o contribuinte, e o resultado é o que se sabe: uma sufocante carga tributária, e que não para de subir devido à eficiente máquina arrecadadora, voltada para financiar gastos que também aumentam sem freios, num dramático círculo vicioso destinado a garrotear o contribuinte.

Mesmo no caso da CPMF não se pode dizer que houve prejuízo irreparável à Saúde.

Afinal, os R$ 40 bilhões/ano subtraídos com o fim do imposto foram repostos pelo crescimento da arrecadação, ainda no decorrer do ano seguinte, 2008. Se governadores e outras autoridades reclamam de falta de recursos no Sistema Único de Saúde, a solução não está na volta do imposto.

A carga tributária não caiu com o fim dele, a arrecadação continua puxada pelo forte crescimento da economia. Logo, não falta dinheiro, mas capacidade administrativa.