Título: Corrida para a bolsa
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2009, Economia, p. 14

Juro baixo reduz rentabilidade dos fundos e leva investidores a aplicarem no mercado de ações na tentativa de ganhar mais

O processo contínuo de queda nas taxas de juros está provocando uma revolução na cabeça dos investidores. Acostumados a ganhos expressivos quase sem riscos, ao aplicarem em fundos de renda fixa carregados de títulos públicos, muitos estão sendo surpreendidos com rendimentos próximos de 0,5% ao mês desde meados deste ano. ¿Tem sido um susto atrás do outro quando confiro meus investimentos. Parece que meu dinheiro está parado¿, diz o contador Paulo Menezes, 44 anos, traduzindo a angústia de uma geração que se acostumou com juros nas alturas.

A certeza, porém, de que os ¿tempos dos ganhos fáceis¿ chegaram ao fim está empurrando um número cada vez maior de poupadores para o mercado de ações, independentemente da crise que ainda faz estragos no mundo. No primeiro semestre deste ano, a participação média das pessoas físicas no volume de negócios da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) atingiu 31,7%, a maior já registrada desde 1994, quando esse tipo de levantamento passou a ser divulgado. É importante ressaltar que se está falando em participação média, pois o pico mensal se deu em novembro do ano passado. Naquele mês, de cada R$ 100 que passaram pelo pregão da bolsa paulista, R$ 34 (34%) foram movimentados pelas pessoas físicas.

¿Essa busca pelo mercado de ações não surpreende. Não podemos esquecer que, em 2003, quando o presidente Lula tomou posse, a taxa básica de juros (Selic) estava em 25% ao ano. Hoje, é de 9,25%¿, diz o analista sênior da TOV Corretora, André Mello. ¿As pessoas estão se conscientizando de que o processo de redução dos juros é irreversível. Então, precisam assumir um pouco mais de risco para ampliar os ganhos. E o mercado de ações surge como grande opção¿, acrescenta. ¿Mas nada garante que o volume de dinheiro aplicado dará um grande salto num curto espaço de tempo. De início, como o mercado está muito instável, pode até ser que os aplicadores vejam os investimentos diminuírem¿, alerta.

Aprendizado Há até bem pouco tempo, bastante desinformadas sobre o sobe e desce dos preços das ações, as pessoas ouviam dizer que a Bovespa estava em alta e corriam para jogar boa parte de seu dinheiro no mercado. Com isso, os profissionais aproveitavam para se desfazer de suas ações com lucros elevadíssimos, deixando todos os que entraram por último no prejuízo. Temendo ampliar as perdas, elas vendiam tudo o que haviam comprado a preços menores e saíam da bolsa com menos recursos do que tinham aplicado. Por isso, criou-se o mito de que o mercado de ações funcionava como um cassino, em que só os espertos ganhavam.

¿Mas, com certeza, esse quadro mudou¿, garante Demétrius Borel Lucindo, gerente de operações da Prosper Corretora. ¿Hoje, a maior parte das pessoas físicas que estão vindo para a bolsa tem uma visão de longo prazo. Veem o mercado como uma alternativa para montar uma aposentadoria complementar, para juntar o dinheiro da casa própria ou mesmo para construir uma poupança para pagar a faculdade dos filhos¿, acrescenta. Isso não exclui os desinformados que sempre ajudam os que desejam embolsar lucros no curtíssimo prazo. ¿Por isso, eu aviso: só entre na bolsa orientado por um especialista experiente. É ele quem vai impedir que se caia em armadilhas¿, ensina.

Para Lika Takahashi, estrategista da Fator Corretora, a mudança de postura decorre de um aprendizado contínuo, facilitado pela estabilidade econômica. ¿Até antes do estouro da crise, com a bolsa em alta, a impressão que se tinha era que qualquer ação resultava em ganho fácil. Mas houve lançamento de papéis (IPOs, na sigla em inglês) que se mostraram ruins tempos depois. Isso tornou os investidores mais criteriosos¿, afirma. Hoje, para um IPO dar certo, é preciso que a empresa realmente seja muito boa. Ninguém comprará mais papéis de companhias que vendam vento.

Na avaliação de Lika, os investidores que entraram na bolsa no início do ano, quando os preços das ações estavam no chão, tiveram o comportamento mais correto que se pode esperar de quem opta por operar no risco. ¿Se os preços das ações estão em baixa, os riscos de perdas são menores¿, explica. Ela ressalta que, apesar da alta de quase 35% acumulada desde janeiro pelo Ibovespa, índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas no pregão paulista, há espaço para novas valorizações. Mas não será uma travessia tranquila até o fim do ano.

Muito cuidado A tendência do mercado acionário é de grande oscilação, pois, ainda que se tenha a sensação de que o pior da crise mundial já passou, a economia global continua muito ruim. No entender da estrategista da Fator, o lado bom da história é que a bolsa brasileira pode se beneficiar muito da queda nas taxas de juros e da retomada mais forte da atividade econômica interna. ¿Isso não quer dizer que, tão cedo, tenhamos uma repetição do que se viu entre 2003 e a primeira metade de 2008, quando o Ibovespa registrou seu maior período de alta¿, avisa.

Essa consciência é bastante visível entre os investidores que estão chegando no mercado, destaca Alexandre Marques Filho, analista da Elite Corretora. ¿Temos visto um fluxo de pessoas bem melhor preparadas para investir em bolsa. Elas estão cientes dos riscos que estão correndo e de que é preciso manter uma visão de longo prazo¿, afirma. Segundo ele, a maior parte desses novos investidores tem entre 25 e 35 anos. E, ainda que a maioria seja homem, as mulheres estão cada vez mais presentes nos negócios.

Calculando riscos Breno Fortes/CB/D.A Press - 26/6/09

Sei muito bem como funciona a compra e venda de ações e quais os riscos que corro João Neto, servidor público e investidor da bolsa

O servidor público federal João José da Silva Neto, 39 anos, se encaixa perfeitamente na nova safra de investidores que estão migrando para o mercado de ações. ¿Com a Selic em baixa, torna-se atrativo diversificar as aplicações e isso significa, necessariamente, correr um pouco mais de risco investindo na bolsa de valores. Isso, porque você só tem um ganho maior numa aplicação que tenha risco alto¿, afirma.

João reconhece que não é nenhum neófito do mercado. ¿Sei muito bem como funciona a compra e venda de ações e quais os riscos que corro. E isso é importante, pois me dá maior segurança na hora de destinar recursos para a bolsa¿, diz. Esse aprendizado começou há 10 anos, quando deu os primeiros passos no então intrincado mundo do mercado acionário. ¿Ao longo do tempo, fui absorvendo conhecimento, o que é vital para entender o sobe e desce dos preços¿, conta.

Foi justamente esse período de aprendizado que evitou que João entrasse em pânico no auge da crise mundial, entre setembro e dezembro de 2008. Sua carteira de ações desabou, a ponto de perder 50% de seu valor. Em vez de sair da bolsa, como fizeram os mais afoitos e os desinformados, ele ficou triste por não ter mais dinheiro disponível para aproveitar as boas oportunidades de compra que surgiram, com os preços dos papéis no chão.

Zerar as perdas O servidor sabe que os tempos ainda serão difíceis para o mercado. Mas, a seu ver, é bem possível que a bolsa recupere o fôlego e, pelo menos, zere as perdas acumuladas desde que o banco americano Lehman Brother ruiu e o mundo entrou em colapso. ¿Espero que o mercado volte ao nível pré-crise no fim deste ano¿, ressalta. ¿Sou um investidor de longo prazo, pois planejo tirar da bolsa a minha aposentadoria¿, destaca.

Do dinheiro que sobra para investir todos os meses, pelo menos 30% vão para a bolsa de valores, mais especificamente para ações de empresas de cinco setores: telefonia, química, internet, mineração e infraestrutura. Tudo, é claro, auxiliado por um bom profissional de mercado. O restante é dividido entre a caderneta de poupança, que ficou bastante competitiva com a queda dos juros, e o mercado de imóveis.