Título: A guerra do século XXI não precisa de canhões, mas sim de moedas
Autor: Eckert, Daniel
Fonte: O Globo, 07/11/2010, Economia, p. 46

Economista alemão diz que disputa cambial é veneno para países emergentes

O economista e jornalista Daniel Eckert, autor do livro ¿Weltkrieg der Währungen¿ (¿Guerra mundial de divisas¿, em tradução livre), não acredita que os líderes do G-20 chegarão a uma solução para a guerra cambial na cúpula das 20 maiores economias do mundo, esta semana, em Seul, na Coreia do Sul. China e Estados Unidos, que tentam desvalorizar suas moedas para criar vantagens para suas economias, são os principais oponentes nessa frente de batalha.

Segundo o economista e colunista do jornal alemão ¿Die Welt¿, ¿talvez a cúpula termine com um comunicado de boas intenções¿. ¿A guerra do século XXI não precisa de canhões, mas sim de moedas¿, afirmou o analista, de 40 anos.

Graça Magalhães-Ruether Correspondente ¿ BERLIM

O GLOBO: A guerra mundial de divisas do século XXI é duradoura, como as guerras armadas ou a Guerra Fria do século XX? Ou é uma estratégia da China para impulsionar mais a sua economia? DANIEL ECKERT: A China está na principal frente de combate, mas acho que o assunto vai continuar nos ocupando por muito tempo. A guerra do século XXI não precisa de canhões, mas sim de moedas. E os principais protagonistas são a China e os Estados Unidos. Ao inundar o mercado americano de dinheiro e assim contribuir para a desvalorização do dólar, os americanos fazem com que outras moedas, consideradas portos seguros, como o iene japonês e o franco suíço, mas também moedas de países emergentes, como a do Brasil, valorizem-se. No passado, o secretário do Tesouro de Richard Nixon, John Connally, respondeu aos que temiam a situação do dólar dizendo: ¿O dólar é a nossa moeda, mas o problema é de vocês¿. A frase continua atual.

A presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, disse que lutará contra o excesso de valorização do real na cúpula do G-20. Ela tem chance de sucesso? ECKERT: A solução para o problema está apenas na cooperação internacional, mas não acredito que a cúpula desta semana termine em mais do que um comunicado final de boas intenções. Mas é claro que é importante para todos os países que o problema seja resolvido. Já vimos como conflitos de divisas podem terminar tendo um efeito perigoso para a paz mundial.

Vivemos ainda na era do dólar, embora a moeda americana esteja tão desvalorizada? ECKERT: Não é mais tão simples para o dólar como no passado.

Antigamente, os EUA tinham a liderança financeira do mundo e mais de 50% da produção industrial, eram o maior credor do mundo. A situação mudou. O país está endividado e vê a desvalorização do dólar como caminho para sair da crise.

Qual seria a solução? O fim do câmbio flutuante? ECKERT: O problema não é o câmbio flutuante, mas sua manipulação, praticada por vários países. Não só China e EUA procuram manter suas moedas artificialmente desvalorizadas. Japão e Suíça manipulam o câmbio.

Quem pratica com mais virtuosismo a guerra de divisas é a China, que há anos usa o yuan como arma econômica.

Quais os efeitos da guerra cambial para os emergentes? ECKERT: A atual instabilidade é um veneno para a economia de muitos países emergentes, que também procuram evitar a valorização de suas moedas, como é o caso do Brasil.

No livro, o senhor compara os EUA com um viciado em heroína, que tem a sua droga fornecida pela China.

ECKERT: Os EUA consomem, a China produz o que os americanos consomem. Os EUA se endividam, a China fornece o capital para o endividamento americano. A China é, com US$ 2,5 trilhões, o maior credor americano.

E o maior credor do mundo, de todas as épocas. Mas a guerra cambial oferece um perigo para a paz. Os americanos podem, um dia, reagir irritados ao excesso de poder da China e partir para um conflito armado, talvez envolvendo Taiwan.

O senhor vê risco de os EUA entrarem em uma crise de dívida semelhante à atual da Grécia? ECKERT: Não. A dívida americana é imensa, mas sua economia é ainda muito mais forte.

O dólar pode deixar de ser a moeda de referência internacional? ECKERT: Está a caminho disso.

Há 80 anos, o dólar é a moeda de referência, mas isso reflete uma época inteiramente diferente da economia americana. Seu futuro vai depender de os EUA conseguirem recuperar sua economia.

Muitos analistas acham que o yuan poderia ser um sucessor.

Mas o yuan não tem nenhuma condição de substituir o dólar.

Dois aspectos dificultam: a China não tem um mercado de capital aberto e não é uma democracia.

E o euro? ECKERT: O Banco Central Europeu mostra estar mais preocupado com a estabilidade monetária do que o Federal Reserve (banco central dos EUA). Mas o euro tem também um grande problema: a crise da Grécia, de outros países do Sul da Europa e da Irlanda não foi superada. O euro continua ameaçado e pode deixar de existir. Talvez, um dia, seja apenas um capítulo curto em um livro de História. Talvez o ouro, hoje visto como o porto mais seguro, termine sucedendo o dólar, pois no momento é difícil descobrir um candidato que preencha todos os requisitos.