Título: Desigualdade faz o Brasil perder 15 posições
Autor: Beck, Martha; Setti, Rennan; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 05/11/2010, Economia, p. 33

Ajustado por diferenças de renda, saúde e educação, IDH do país fica 27,2% menor. Em 2000, perda era de 31%

BRASÍLIA e RIO. Quanto a desigualdade rouba do desenvolvimento humano? Foi tentando responder a essa pergunta que o Pnud apresentou este ano um ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ajustado às diferenças entre os mais privilegiados e os menos favorecidos no acesso à renda, saúde e educação. O cálculo é inovador, porque considera outras dimensões da desigualdade para além da renda. Na média, o IDH do mundo é reduzido em 24% quando feito esse ajuste. No Brasil, a perda com a desigualdade é maior ¿ 27,2% ¿ e derruba o IDH do país de 0,699 para 0,509.

Por essa escala, o país perderia nada menos do que 15 posições no ranking geral, passando da 73ª para a 88ª colocação, sendo classificado como nação de desenvolvimento humano médio.

No Brasil, essa queda se deveu principalmente à desigualdade na distribuição de renda.

Apenas esse indicador isolado reduz em 37,4% o índice do país pelas contas do Pnud. Na educação, a baixa foi de 26% e na saúde, de 16%.

Pnud destaca avanços do Brasil em reduzir diferenças Segundo o coordenador do relatório no Brasil, Flávio Comim, no entanto, o país fez avanços nesse campo na última década. A perda do IDH brasileiro com desigualdade teria sido de 31% em 2000, enquanto em 2005 seria de 28,5%.¿Houve quedas de desigualdade em todas as dimensões, caindo três pontos percentuais na saúde e dois pontos percentuais na educação e na renda¿, destaca o relatório.

A melhoria na qualidade de vida foi uma realidade nos últimos anos para Elda Ribeiro, de 28 anos. Em 2006, ela largou a faculdade de Ciência da Computação para se aventurar na abertura de uma loja de material de construção. Entrou com dinheiro e disposição, mas entendia pouco do negócio.

Com uma sócia que conhecia o ramo, a loja deu certo. Há quatro meses, a dupla resolveu abrir um salão de beleza. Juntos, os dois negócios empregam cinco pessoas. Com os lucros do empreendedorismo, Elda está reformando o apartamento, no Maracanã, comprou um carro e fará sua primeira viagem à Europa no próximo ano.

¿ Tudo melhorou. Estou comprando computador e celular, voltei a estudar e entrei há um ano num plano de saúde.

Dizem que passamos por um crise, mas não sentimos.

A empresária concluiu este ano um curso técnico de segurança do trabalho e iniciará no ano que vem uma faculdade de administração. O objetivo é abrir mais uma loja de material de construção em breve.

Índia e China cresceram, mas pioraram disparidades Segundo o economista e professor da UnB, Marcelo Medeiros, o Brasil foi um dos poucos países que conseguiu reduzir a desigualdade nos últimos anos.

Países da mesma dimensão que o Brasil, como Índia e China, tiveram excepcional desempenho econômico nos últimos anos, porém acompanhado do aumento da desigualdade: ¿ Vivemos essa situação na década de 70.

Na avaliação do coordenadorgeral do Relatório de Desenvolvimento Humano 2010 do Pnud, Francisco Rodríguez, o IDH ajustado é o que dá o quadro mais realista sobre os avanços dos países em direção à qualidade de vida da população.

Na média dos 139 países apresentados com ajustes no relatório da ONU, o IDH de 0,68 cairia para 0,52, passando da categoria de alto para médio desenvolvimento.

No total, 80% das nações perdem mais de 10% de seus esforços em função da desigualdade.

Segundo Rodríguez, as quedas mais significativas são nos países que já apresentam níveis mais baixos de qualidade de vida da população Para ajustar o IDH, o Pnud recalculou todas as variáveis que compõem o índice: saúde, educação e renda. Essa avaliação mostrou que os indicadores de ensino foram os que mais prejudicaram as contas dos países em geral. Enquanto o índice de esperança de vida (que mede a qualidade da saúde) teve uma queda de 22% e o de renda baixou quase 23%, o relativo à educação sofreu redução de 28,2%.

Na América Latina, perda chega a 25% Na América Latina de forma geral, a desigualdade reduz o desenvolvimento dos países em um quarto. Haiti, Bolívia, Guatemala, Peru e Panamá são os que sofrem as maiores perdas devido ao conjunto das disparidades. E, quando se observa apenas o rendimento, nove dos 15 países do mundo com maiores perdas no IDH ajustado estão na região.

O documento também chega a uma conclusão importante: a redução da desigualdade pode ocorrer mais rapidamente por meio de investimentos em saúde e educação do que em aumento de renda. ¿À medida que o acesso à saúde e à educação é alargado para incluir os mais pobres, o desenvolvimento humano melhora e as desigualdades nivelam-se¿, afirma.