Título: Mantega critica Fed: jogar dinheiro não resolve
Autor: Beck, Martha; Gois, Chico de; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 05/11/2010, Economia, p. 35

Para o ministro, compra de títulos da dívida pelo BC americano desvaloriza o dólar e acirra a guerra cambial

BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, criticou ontem a decisão do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de injetar US$ 600 bilhões na economia por meio da compra de títulos públicos para recuperar a atividade no país. Para o ministro, a medida equivale a ¿jogar dinheiro de helicóptero¿ no mercado, tem efeito duvidoso sobre o crescimento, e prejudicará o mercado internacional ao incentivar a desvalorização do dólar e a guerra cambial.

Ontem, a moeda americana fechou com baixa de 1,35%, cotada a R$ 1,678, o menor patamar desde 20 de outubro.

A avaliação do impacto da medida do Fed sobre a economia global e a guerra cambial internacional foram os temas centrais da apresentação de Mantega ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais colegas de Esplanada na reunião ministerial de ontem: ¿ Essa política de ficar jogando dinheiro pelo avião só vai servir para desvalorizar o câmbio.

A moeda americana é a mais importante do mercado internacional.

Quando se desvaloriza, ela valoriza o euro, atrapalha os países europeus, atrapalha os países latino-americanos, atrapalha o Brasil e a China, que reage e faz a mesma coisa, desvalorizando sua moeda.

Brasil se prepara para discutir câmbio no G-20 O ministro prometeu reclamar dos americanos na reunião de líderes do G-20 (grupos das 20 maiores economias) na próxima semana. Mantega foi o primeiro a apontar a existência de uma guerra cambial em função dos efeitos da crise na economia nos países desenvolvidos.

Com o mercado doméstico desaquecido, essas nações ¿ sobretudo EUA, Alemanha e Japão ¿ estão desvalorizando suas moedas para dar mais competitividade às exportações. Na outra ponta está a China, maior exportador mundial, que mantém o yuan desvalorizado artificialmente para vender mais.

¿ Vamos insistir (na reunião do G-20) para que os EUA modifiquem essa política e tenham outra alternativa. As economias avançadas não podem se recuperar às custas dos nossos mercados. Os países emergentes estão colaborando, estimulando o mercado interno, inclusive China, Índia e Brasil. Os outros também precisam fazer isso. Não é só com política monetária que se resolve o problema ¿ disse Mantega.

Segundo ele, os EUA deveriam tomar medidas fiscais que garantam a retomada do emprego e o poder de compra da população: ¿ Todo mundo quer que a economia americana se recupere.

Porém, não adianta ficar jogando dólar de helicóptero na economia porque isso não faria brotar o crescimento. É preciso combinar uma política monetária expansiva.

Mantega disse ainda que a decisão do Fed pode provocar bolhas em outros países, pois cria um excesso de liquidez no mercado internacional. Esse, porém, não é o caso brasileiro: ¿ No Brasil não, porque tomamos medidas que impedem que venha um fluxo exagerado.

O Brasil não tem perigo de bolha ¿ disse ele.

Na reunião ministerial, o presidente Lula reafirmou a disposição do Brasil de brigar na arena internacional: ¿ O grande problema que temos hoje na economia mundial é a guerra cambial estabelecida sobretudo entre países como Coreia, EUA, China.

Então, vamos estar lá com o objetivo de discutir esse assunto ¿ disse na reunião.

Autoridades temem efeito dominó no câmbio mundial Segundo uma fonte do governo, o Brasil está preocupado com o risco de outras economias ¿ sobretudo as asiáticas, tendo à frente China, Japão e Coreia do Sul ¿ usarem a desvalorização do dólar para reduzirem ainda mais a cotação das suas próprias.

Esse alerta será feito na reunião do G-20 pelas autoridades brasileiras, inclusive o presidente Lula, que estará no evento acompanhado da presidente eleita Dilma Rousseff. O temor é de um efeito dominó.

¿ A desvalorização da moeda americana em si não é um problema grande para o Brasil. A questão é que, com o dólar, há outras moedas atreladas. Uma coisa é perder competitividade em relação aos EUA e outra é em relação a diversos parceiros internacionais ¿ disse a fonte.

Mesmo com as ações do governo para tentar reduzir a entrada de recursos externos, que de fato tiveram um leve efeito, o país fechou outubro com o segundo maior volume de dólares do ano. Segundo o Banco Central (BC), o fluxo cambial ¿ entrada e saída de moeda estrangeira ¿ ficou positivo em US$ 6,917 bilhões no mês passado.

A expectativa do BC e de especialistas é que haja uma nova onda de ingresso de investimentos estrangeiros no Brasil em novembro, após o anúncio do Fed.

O fluxo de outubro perde apenas para a cifra vista em setembro, de US$ 13,726 bilhões, inchada pela capitalização da Petrobras. No ano, o ingresso líquido já soma US$ 24,039 bilhões, quase o volume integral de 2009, de US$ 28,732 bilhões.

¿ O anúncio do Fed vai gerar mais dinheiro para o Brasil e os mercados emergentes.

Não me assustaria se o dólar fechasse o ano a R$ 1,60 agora ¿ disse o diretor de câmbio da corretora Fair, Mário Battistel.

Essa montanha de novos recursos deve tirar, pelo menos parte, do fôlego das medidas já anunciadas pelo governo, como a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investidores estrangeiros em renda fixa, de 2% para 6%, no mês passado. Há cerca de um mês, antes da ofensiva do Fed, o BC brasileiro calculava que estariam de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões líquidos no país até o fim de 2010. Agora, a projeção será maior.

O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa, fechou ontem no maior patamar desde 28 de maio de 2008. Durante o pregão, chegou a bater os 73 mil pontos, mas acabou perdendo força e encerrou com 72.995 pontos. Com a alta dos preços das commodities, as ações de Petrobras e Vale puxaram o índice. Os papéis preferenciais da Petrobras subiram 1,85% e as ordinárias avançaram 3,07%. Já os papéis PNA da Vale subiram 2,30% e os ON, 2,56%.