Título: Sem salário, mas com família
Autor: Vieira, Marta; Cruz, Márcia Maria
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2009, Economia, p. 16

Apenas 8% dos desempregados conseguem sobreviver com os benefícios do governo. Maior parte é sustentada por parentes

Há mais de seis meses à procura de emprego, Siloeh Reis conta com a ajuda da mãe e de dois irmãos

O tempo nunca foi tão curto para Siloeh Teodoro dos Reis Salomé, de 18 anos, Vera Lúcia dos Santos Soares, de 35, e Oseias Soares, de 22. Com diferentes histórias de vida e experiências profissionais, eles passam por dificuldades semelhantes na disputa por emprego e já dependem da ajuda financeira de parentes para sobreviver e continuar à procura de uma vaga. A dura realidade deles é a mesma de 74,1%, em média, dos desempregados na Região Metropolitana de Belo Horizonte, um universo enorme estimado em 217 mil trabalhadores do total de 293 mil pessoas que estavam fora do mercado de trabalho em maio, conforme pesquisa da Fundação João Pinheiro, do Departamento Intersindical de Estatística e Informações Socioeconômicas (Dieese) e da Secretaria de estado de Minas Gerais do Desenvolvimento Social.

Só 8% de quem procura trabalho consegue financiar as despesas, condição essencial para não interromper a procura, exclusivamente com recursos do seguro-desemprego, de acerto do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pensões ou aposentadorias. Os números surpreenderam o economista Mário Rodarte, do Dieese, que resolveu estudar os meios usados pelos trabalhadores da Grande BH para se manterem enquanto engrossam as filas nas agências de emprego. ¿À medida que o tempo passa, cai substancialmente o papel do FGTS e do seguro-desemprego na rede de proteção que o desempregado se vê obrigado a construir¿, afirma o pesquisador.

Incapacidade Para quem procura trabalho há mais de seis meses, essa incapacidade de financiar os próprios gastos é ainda maior, submetendo 77,6% dos desempregados à ajuda de parentes e conhecidos. Não é por outro motivo que o jovem Siloeh Reis consome boa parte do dia explorando os sites de oferta de emprego na internet, depois da busca quase diária por oportunidades nas agências de seleção de pessoal da cidade. ¿Envio currículos toda semana, mas as exigências são muito grandes e falta oportunidade para quem tem menos experiência¿, reclama.

Siloeh participou pela última vez em dezembro da divisão das contas da família, quando ainda contou com as parcelas do seguro referente aos 16 meses de trabalho como auxiliar de escritório numa grande universidade mineira. Desde então, o único alívio, embora parcial, foi o bico de vendedor num supermercado, o que não dispensou a renda da mãe Lída, e de dois irmãos. O trabalho eventual, sem vínculo empregatício, ajuda 10% dos desempregados no entorno da capital mineira, sem, contudo, evitar que eles precisem do apoio financeiro de familiares empregados ou conhecidos, segundo o pesquisador Mário Rodarte, do Dieese.

Longe da família Para Vera Lúcia dos Santos foi um bico recente em casa de família que a fez não se sentir menos brasileira numa disputa perversa no mercado de trabalho que expulsa trabalhadores como ela. Gente sem condições de entregar um diploma de conclusão do ensino médio para concorrer à mesma vaga de doméstica, mas com a carteira assinada. Agora, a situação se agravou, já que o marido, o carpinteiro Gesu, que bancava as despesas do casal e dos filhos de seis e 13 anos, perdeu o emprego. ¿Preciso estudar e conseguir trabalho mais rápido porque não tenho parentes morando aqui¿, conta.

O estudo de Mário Rodarte, com base nos relatórios mensais da Pesquisa de Emprego e Desemprego de BH, mostra a eficácia muito limitada das políticas públicas que dão assistência ao trabalhador desempregado no país. Os dados analisados pelo economista do Dieese fazem parte de questionários respondidos por trabalhadores à procura de emprego na Grande BH em 2007 e 2008. Portanto, ainda não retratam o que aconteceu depois da crise financeira mundial. ¿A ampliação do benefício (de cinco para sete parcelas em setores que sofreram mais com a turbulência na economia) ajuda, mas há necessidade de se reformular as formas de proteção oferecidas aos desempregados¿, afirma.

O superintendente regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, Alysson Paixão de Oliveira Alves, informou que o governo não discute nova ampliação do seguro-desemprego, mas está atento ao ritmo de reação da economia. De janeiro a maio, o Ministério do Trabalho registrou saldo de 180 mil empregos formais no país. Foi o melhor resultado desde setembro de 2008, início da crise.

O resultado está muito longe do necessário para que Oseias Soares possa ter tranquilidade, inclusive para continuar procurando trabalho. Todas as contas na casa dele ¿ água, luz e telefone ¿ estão sendo pagas pela mãe, que é aposentada e pensionista, e pela irmã Hosana.

Como sobrevivem

Desempregados que procuram trabalho há no máximo seis meses (em %) Dependem de parentes e conhecidos 71,1 Fazem bicos, além da ajuda financeira recebida 7,8 Vivem dos acertos de FGTS, seguro-desemprego. pensão ou aposentadoria 12,1 Outros meios 9

Desempregados que procuram trabalho há mais de seis meses (em %) Dependem de parentes e conhecidos 77,6 Fazem bicos, além da ajuda financeira recebida 12,5 Vivem dos acertos do FGTS, seguro-desemprego, pensão ou aposentadoria 3,1 Outros meios 6,8